Resignação: a marca de um povo
Como já mencionei há alguns artigos, mais especificamente em CARRO QUE MUITO SE AUSENTA, UMA HORA DEIXA DE FAZER FALTA, estou sem carro atualmente (e muito bem, obrigado! – diga-se de passagem). Por conta disso, pra chegar a um compromisso no último final de semana, chamei um Uber. E enquanto observava a paisagem distraído (coisa que não temos a chance de fazer enquanto dirigimos), percebi que passava por uma rua na qual, alguns anos antes, havia atendido uma ocorrência bastante comum em certas áreas da cidade.
Porto Alegre, embora seja um grande centro urbano, possui em suas periferias algumas áreas rurais. Nelas, é comum a existência de animais, tipo cavalos, bois, vacas e até mesmo búfalos (sim, até há pouco tempo nem eu sabia que existiam búfalos em Porto Alegre…)! Durante aproximadamente cinco anos trabalhei na fiscalização de trânsito no plantão noturno, das 00h às 06h da manhã. Nesse horário, sobretudo em áreas rurais da cidade, eram frequentes os chamados para ocorrências de animais soltos na via. Talvez pouca gente saiba dessa atribuição dos órgãos de trânsito, mas, dada a gravidade de um acidente causado por um animal de grande porte, procurávamos dar, sempre que possível, uma certa prioridade a essas.
Chegando no local mencionado acima, nos deparamos com um cavalo que, embora tenhamos constatado posteriormente que era bastante dócil, nos fez correr umas três ou quatro quadras até alcançá-lo. Atingido o primeiro objetivo, começamos a trabalhar no segundo desafio da ocorrência: mantê-lo em um local seguro até a chegada do serviço de remoção credenciado. Uma vez que o animal estava sem qualquer rédea para que pudéssemos amarrá-lo, e nós também não dispúnhamos de uma corda, a tarefa tronou-se ainda mais desafiadora. Tivemos que apelar para medidas desesperadas e utilizar aquilo que tínhamos em mãos: fita zebrada de isolamento.
Obviamente, minha primeira reação foi de rechaçar a ideia, assim como você provavelmente deve estar fazendo. No entanto, para minha (ou nossa) surpresa, o cavalo aceitou aquela sua condição de confinamento com uma resignação assombrosa! Meu primeiro pensamento foi
“Nossa! Como um animal tão grande e forte se deixa prender por uma simples e frágil fita?! Ele parece não saber a força que tem…”.
Na mente do cavalo, talvez, aquela deve ser uma condição imutável. Muito provavelmente ele já deve ter sido capturado e amarrado inúmeras vezes. De todas as tentativas de fuga, certamente em poucas (ou talvez nenhuma) ele tenha logrado êxito. Então, se assim sempre foi, assim será. Isso me fez lembrar de um conhecido experimento realizado com macacos em uma jaula, que ilustra exatamente esse tipo de comportamento:
Se isso não foi o suficiente para visualizar a aplicabilidade disso na sua vida, e acha que isso só se aplica animais, sinto desapontá-lo… assista o vídeo a seguir:
Então, convencido? Se ainda não, vamos para a nossa prática diária. Você, condutor, alguma vez já se sentiu constrangido por ser o único a parar naquele sinal vermelho para travessia de pedestres no qual, obviamente, sequer uma viva alma atravessava? Ou em uma rodovia, na qual trafegava na velocidade máxima permitida, sentiu-se “atrapalhando o fluxo”, pois todos passavam por você como se estivesse parado? E você, pedestre? Você também já deve ter sentido-se ridículo sendo o único a esperar o “homenzinho verde” no semáforo para fazer a travessia de uma via, enquanto os demais aproveitavam que nenhum carro passava, não?
Mas não sejamos tão pessimistas… Há exemplos positivos no trânsito também! Aqui no Rio Grande do Sul existe uma cidade que é bastante conhecida por seus atrativos turísticos, sobretudo por sua semelhança com certas regiões europeias, inclusive no trânsito. Chama-se Gramado. Nas palestras e cursos que ministro, invariavelmente, é citada como exemplo quando o assunto é educação no trânsito. Lá há uma cultura muito forte e enraizada de parar nas faixas de segurança sempre que um pedestre faz menção de atravessar a via. Talvez pelo fato de as vias serem mais estreitas e propiciarem uma redução natural da velocidade. Ou pelo fato de grande parte dos condutores serem turistas de férias e sem pressa. Ou ainda, pela semelhança com uma cidade da Europa, talvez os condutores sintam como se de fato estivessem lá!
O mais provável, a partir dos vídeos acima, é que as pessoas simplesmente se sintam constrangidas de deixarem de parar na faixa vendo as outras todas pararem. Sendo assim, elas acabam parando muito mais para sentirem-se parte integrada àquele contexto que por educação ou consciência. A questão aqui é qual a fita que o prende a essa resignação comparável a do cavalo do início do texto? Você vai continuar “batendo” nos outros, mesmo sem saber o motivo, só porque todos sempre fizeram assim? Sendo o primeiro a levantar ao som do bipe em uma sala de espera ou a respeitar as normas de trânsito, é você quem escolhe que legado social deixar às próximas gerações (ou aos próximos pacientes na sala de espera…).