Mudanças no CTB: o estado de anomia do trânsito brasileiro
Leia a opinião de Rodrigo Vargas de Souza sobre as mudanças no Código de Trânsito Brasileiro (CTB) aprovadas pela Câmara.
É raro, atualmente, encontrar algum profissional da área do trânsito que não esteja preocupado com as mudanças no CTB (Código de Trânsito Brasileiro) que foram aprovadas recentemente na Câmara de Deputados. Mudanças essas que, visivelmente, afrouxam o rigor de determinadas normas, privilegiando, assim, tão somente condutores infratores.
Durante alguns dias, estive refletindo sobre essas medidas e, como sempre costumo fazer, entender (ou pelo menos tentar) os motivos que levaram a tal decisão. Como de costume, quando não encontro respostas a determinadas questões, procuro subsídio técnico (assim como fazem nossos digníssimos parlamentares), no meu caso, dos grandes pensadores da psicologia. Então, me vi submerso em instigantes leituras sobre Psicologia Social, Teoria das Massas, até chegar à interessante Teoria do Desenvolvimento Moral, do grande Jean Piaget.
Segundo Piaget, o desenvolvimento moral e ético estaria dividido ao longo da vida em três grandes fases, que culminariam em uma Moralidade Autônoma. Nesta fase derradeira, o indivíduo deveria aquirir princípios morais e éticos a ponto de cumprir com seus deveres simplesmente pela consciência de sua necessidade, significação e importância, ainda que não esteja na presença de uma autoridade.
Trocando em miúdos, seria, por exemplo, aquele condutor que respeita os limites de velocidade da via, mesmo quando não há nenhum equipamento eletrônico de fiscalização, pelo simples fato de ter consciência de que a alta velocidade pode gerar riscos a sua vida e a de outrem.
Essa fase é precedida pela fase de Heteronomia. Nela, não há consciência ou reflexão, apenas respeito e obediência à autoridade. Retomando o exemplo anterior, seria o condutor que diminui a velocidade assim que avista um controlador eletrônico de velocidade, voltando a acelerar logo após passá-lo.
No entanto, ambas são antecedidas pela fase de Anomia. Nessa etapa do desenvolvimento mora, assim como sugere a etimologia da palavra (do Grego ANOMIA, “falta de lei”, de A, “sem”, mais NOMOS, “lei, regra”), geralmente a moral não se aplica e as normas de conduta são ditadas pelas necessidades básicas do indivíduo. Naturais em crianças pequenas, os bebês, por exemplo, choram quando estão com fome e querem ser alimentados imediatamente. No indivíduo adulto, caracteriza-se por aquele que não respeita as leis, pessoas ou normas.
Com a única e exclusiva intenção de ser didático, uma moralidade em fase de anomia seria representada por aquele indivíduo que, em se tratando de “pardais”, por exemplo, esbraveja “Tem que acabá com isso daí, talkay? Estão acabando com o nosso prazer de dirigir nas estradas!”, ou algo bem parecido…