Independência ou morte: reflexos de uma sociedade paternalista no trânsito
Rodrigo V. de Souza convida os brasileiros a se libertarem da cultura paternalista que terceiriza responsabilidades, para a construção de um trânsito mais seguro, uma sociedade mais justa e um povo realmente independente.
Há quase 200 anos o Brasil deixou de ser uma colônia portuguesa e passou a ser uma nação independente. No dia 7 de setembro de 1822, às margens do rio Ipiranga, D. Pedro I declarava a independência do Brasil, tornam-se pouco tempo depois seu primeiro imperador.
Mas será que o brasileiro tornou-se realmente um povo independente?
Após uma breve pesquisa sobre possíveis aplicações para o termo “independente“, me deparei com uma definição que certamente confirma esse questionamento, pois se aplica perfeitamente a nós, sobretudo no âmbito do trânsito:
Caráter da pessoa que não segue ideias determinadas, regras preestabelecidas.
Condição da coletividade que não se submete a outra autoridade e se governa por suas próprias leis.
No entanto, esse termo sempre me remete a um sinônimo, sobre o qual eu já escrevi recentemente: autonomia. Segundo o filósofo Kant, é a faculdade do ser humano de se autogovernar de acordo com seus padrões de conduta moral sem que haja influência de outros aspectos exteriores.
Foi do que lembrei quando li, surpreso, um comentário em uma notícia recentemente publicada no Portal do Trânsito. O Projeto de lei da deputada Flavia Arruda pretende conceder pensão vitalícia às vítimas de crimes de trânsito ou às suas famílias, em caso de morte, a ser paga pelo autor do crime.
Eis que, navegando pelas redes sociais, me deparo com o seguinte comentário a respeito dessa notícia:
…agora eu terei que pagar pela omissão de gestores políticos do Estado que não fazem a prevenção de acidentes porque não dá voto…
Então, quer dizer que, segundo essa linha de raciocínio, se eu saio e encho a cara, pego meu carro e no caminho de volta para casa eu atropelo e mato alguém a culpa é do Estado por não ter investido em prevenção? Ora, sejamos adultos… o Estado até pode ser omisso em diversas das suas atribuições, mas todos sabemos o que é certo ou errado no trânsito, não é preciso terceirizar a culpa.
Quem sabe, analisemos essa situação sob um diferente ponto de vista? O da vítima ou de seus familiares. Nesse caso, às reflexões seriam mais ou menos assim:
… agora eu terei que viver o resto da vida numa cadeira de rodas por conta da irresponsabilidade daquele condutor…
Ou ainda:
… minha mãe terá que prover o sustento de seus quatro filhos sozinha, porque aquele condutor irresponsável tirou a vida do meu pai…
Às vezes, é muito fácil e cômodo julgar as omissões do Estado. Mas avaliar a nossa própria responsabilidade sobre os acontecimentos nem sempre é uma prática tão fácil. E, sobre responsabilização, eu acho esse Projeto de Lei até muito brando… sempre defendi que, além de pensão à vítima ou aos familiares, quem comete crime de trânsito deveria pagar pela hora de trabalho de todos os órgãos públicos envolvidos no atendimento do acidente, desde agentes de trânsito, policiais militares, até socorristas da ambulância, bem como os custos de manutenção de qualquer mobiliário urbano que posso ter sido danificado em função da ocorrência.
Claro que alguém sempre vai rebater dizendo “ah, mas não é pra isso que pagamos impostos como INSS, DPVAT e tantos outros?!”. A esses eu trago a seguinte reflexão:
… por que eu, que nunca sequer me acidentei, tenho que pagar pela irresponsabilidade dos outros no trânsito?!
E sobre essa reflexão, eu trago uma triste notícia ao caro amigo leitor: nós já pagamos e um valor bem alto, diga-se de passagem!
Porém, é igualmente fácil cair na tentação de refutar esse tipo de medida proposta pelo PL por conta da cobrança de impostos já existentes, como o INSS, por exemplo. Não quero me ater às questões previdenciárias, pois só essas já dariam um outro artigo, mas apenas às de saúde pública. Estima-se que 2 a cada 3 leitos de hospitais de pronto atendimentos sejam ocupados por vítimas de acidentes de trânsito. Vítimas que lá estão não por omissão do Estado, mas porque alguém escolheu ultrapassar o limite de velocidade da via, escolheu responder àquela mensagem de texto enquanto dirigia ou escolheu pensar que as doses que havia consumido não influenciariam na sua capacidade de condução.