Ensurdecedores ou silenciosos? Como será a mobilidade do futuro?
Rodrigo Vargas conta o que espera da mobilidade do futuro. Para ele, o ideal seria uma cidade não tão veloz, mais sustentável e silenciosa. E você, o que espera?
Há aproximadamente uns 15 anos, me dirigia para o trabalho numa ensolarada manhã de domingo. Eis que ao longe escuto um ronco, o qual jamais havia ouvido igual. O som aos poucos parecia aumentar, como se fosse uma besta demoníaca, emergindo das profundezas, prestes a rasgar o solo e me atacar a qualquer momento. Antes mesmo que eu pudesse identificar o ruído e de onde ele vinha, de uma rua transversal surge aquela imponente máquina vermelha, com seu teto conversível recolhido, levando em seu interior um casal de meia idade.
Na traseira, há poucos centímetros de mim, reluzia o “Cavallino Rampante” prateado, como a passar uma mensagem de “não se aproxime!”.
Ainda que, na época, utilizasse um escapamento esportivo na minha motocicleta, seu som fora completamente abafado pelo motor da Ferrari. Rodava majestosa e tranquila a não mais que 60 km/h. E mesmo estando em baixa rotação, em segunda marcha (talvez até primeira!), aquele ronco parecia ecoar dentro do meu capacete, com uma força que dava a impressão que estouraria meus tímpanos mais cedo ou mais tarde.
Assim que o fluxo de veículos diminuiu e a via ficou livre, tão inesperadamente quanto surgira, o carro acelerou e em questão de 2 ou 3 segundo eu não mais o via. “Não posso perdê-lo de vista” – pensei, enquanto baixava para uma terceira marcha e fechava o punho. 80, 90, 100 km/h e nada.
Nenhum sinal daquela bufante máquina vermelha… Conformado em não mais encontrá-la, reduzi novamente à velocidade condizente com a via. Mas, a 1 km ou 2 mais adiante, num semáforo vermelho, voltei a encontrá-la, tão somente para dizer adeus. No momento em que o sinal ficou verde, ela deu uma guinada à direita e seguimos caminhos diferentes. O som da besta a voltar para as profundezas de onde viera agora ecoava somente na minha memória.
É um consenso entre aqueles apaixonados por carros que uma das coisas que mais trazem prazer ao condutor é justamente o ronco do motor.
Era um sentimento que eu compartilhava até os meus 20 e poucos anos, enquanto curtia meu “cano esportivo”. Mas é bem verdade que, com o passar do tempo, certos gostos mudam.
Como mencionei em outro artigo, recentemente mudei para um bairro mais central da cidade. Nessa região, há pouco mais de um ano, surgiu um serviço de transporte por aplicativo para curtas distâncias chamado Grilo Mobilidade. O diferencial desse serviço está no fato de utilizarem pequenos triciclos elétricos, com cabine fechada, que comportam até dois passageiros e mais o condutor.
Mobilidade do futuro
Dia desses, enquanto dobrava a esquina em direção ao mercado, ouvi um som que me despertou algumas reflexões.
Dessa vez não se tratava do ronco de uma Ferrari, mas do suave som emitido pelo motor elétrico de um dos triciclos da Grilo. A primeira imagem que me veio a mente, confesso, foi a daquela imponente Ferrari com seu ronco ensurdecedor. “Quanta diferença…” – pensei comigo mesmo.
E quase instantaneamente passei a imaginar uma cidade inteira só com veículos elétricos como aquele e nos impactos que isso teria na vida das pessoas. Não só pela questão da poluição atmosférica, mas, principalmente, pela poluição sonora. O barulho dos motores que anteriormente, enquanto morava em um bairro tranquilo da zona sul da cidade, quase não me perturbavam, agora, morando em uma região central, passaram a ser percebidos.
Diversas montadoras que estão migrando para a eletrificação de seus veículos têm discutido essa questão. Algumas, inclusive, têm até equipado seus modelos com som de motor artificial para agradarem a motoristas mais tradicionais e até para alertarem eventuais pedestres desavisados.
Confesso que até hoje o ronco de um motor potente ainda me causa certa euforia. Mas, no que diz respeito à mobilidade do futuro, estou mais inclinado a esperar por uma cidade não tão veloz, mais sustentável e silenciosa.