Educação para o trânsito: a arte de enxugar gelo
Há alguns dias conversava com um amigo sobre a situação do trânsito no país. Segundo ele, enquanto o trânsito não for incluído na grade curricular das escolas, falar sobre educação para o trânsito no nosso país seria como enxugar gelo. Não quis (nem quero) entrar no mérito da questão, por se tratar de um tema complexo e que, por isso, suscita uma longa discussão à respeito. Por ora, haja visto a atual situação da educação no país, me parece mais efetivo tratar o tema de forma transversal.
Os temas transversais são constituídos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s) e compreendem seis áreas: Ética , Orientação Sexual, Meio Ambiente, Saúde, Pluralidade Cultural e Trabalho e Consumo. Segundo o Ministério da Educação (MEC), pode-se também trabalhar temas locais como, por exemplo, Educação para o Trânsito.
Os temas transversais expressam conceitos e valores básicos à democracia e à cidadania e obedecem a questões importantes e urgentes para a sociedade contemporânea. A ética, o meio ambiente, a saúde, o trabalho e o consumo, a orientação sexual e a pluralidade cultural não são disciplinas autônomas, mas temas que permeiam todas as áreas do conhecimento, e estão sendo intensamente vividos pela sociedade, pelas comunidades, pelas famílias, pelos alunos e educadores em seu cotidiano.
Os Temas Transversais caracterizam-se por um conjunto de assuntos que aparecem transversalizados em áreas determinadas do currículo, que se constituem na necessidade de um trabalho mais significativo e expressivo de temáticas sociais na escola. Alguns critérios utilizados para a sua constituição se relacionam à urgência social ,a abrangência nacional, à possibilidade de ensino e aprendizagem na Educação Básica e no favorecimento à compreensão do ensino/aprendizagem, assim como da realidade e da participação social. São temas que envolvem um aprender sobre a realidade, na realidade e da realidade, preocupando-se também em interferir na realidade para transformá-la.
Posto isso, é preciso fazer algumas considerações. Primeiramente a respeito de como o trânsito é visto pelo MEC. É inegável que o tema tem urgência social, tendo em vista o número de mortes e os custos que os acidentes no trânsito suscitam. Bem como a possibilidade de ensino e aprendizagem na Educação Básica. O órgão máximo da educação no país, entretanto, justifica que se aborde o trânsito como tema local e não transversal, pois, segundo o mesmo órgão, o trânsito não teria abrangência nacional, mas seria um problema localizado apenas nos grandes centros urbanos. Isso nega completamente a ideia de que o trânsito é feito não apenas de veículos, mas de pessoas. Como se a abordagem do tema dependesse de uma frota gigantesca de veículos. Ou seja, em uma pequena cidade do interior, na qual a grande maioria das pessoas se locomove a pé, de bicicleta ou mesmo de carroça, por exemplo, não houvesse trânsito. E mesmo que essa fosse uma justificativa plausível, negaria completamente a condição de um morador dessa mesma cidade vir a se mudar para um grande centro urbano. Isso é, quem nasceu no interior não precisa aprender sobre o trânsito, pois está fadado a viver o resto da sua vida e morrer na mesma cidade (onde não existe trânsito, pois a maioria só anda a pé)!
Em segundo lugar – e isso pode soar meio “teoria da conspiração”, mas basta alguma reflexão sobre o assunto para perceber nessa ideia algo não tão insano – não há como negar que, embora os acidentes de trânsito custem anualmente dezenas (ou talvez centenas) de milhões de reais à sociedade, há uma pequena parcela dela que se beneficia (e muito) desses números! Na sociedade capitalista e consumista na qual vivemos, deixo ao caro amigo que me lê (e àquele do início do texto) uma triste, porém, esperançosa opinião para a questão da educação para o trânsito: Enquanto houver quem ganhe vendendo toalhas, infelizmente, nunca deixaremos de enxugar gelo…
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