17 de dezembro de 2025

Como “humanizar” o trânsito para condutores recém-habilitados


Por Rodrigo Vargas de Souza Publicado 12/02/2022 às 16h30
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Rodrigo Vargas comenta sobre os incontáveis casos de condutores recém-habilitados que não se sentem seguros para conduzir seus veículos.

Existem diferentes tipos de pessoas e, por esse motivo, diferentes formas de aprendizagem. O processo de formação de novos condutores, inegavelmente, evoluiu muito ao longo dos últimos anos no país. Nem por isso quer dizer que ainda não tenha o que ser melhorado. Prova disso são os incontáveis casos de condutores recém-habilitados que não se sentem seguros para conduzir seus veículos.

Como forma de driblar o nervosismo que a acometia a cada vez que seu carro apagava e tentar despertar empatia nos demais condutores, evitando assim buzinas e xingamentos, a estudante de Psicologia de Caxias do Sul (RS) decidiu colar uma placa na traseira do seu carro com a mensagem “Recém Habilitada“.

Embora inusitada, a prática não é nenhuma novidade. Não é raro nos depararmos com placas semelhantes pela internet, às vezes até bem mais singelas, muitas vezes feitas até à mão.

Tanto é que, em meados de 2018, a Deputada Federal Christiane de Souza Yared (PL-PR) propôs em um PL (Projeto de Lei) tornar obrigatória uma placa que identificasse veículos dirigidos por condutores com habilitação provisória, a chamada PPD (Permissão para Dirigir).

No entanto, o que me chamou a atenção foi a frase em letras menores colocada logo abaixo da advertência em letras garrafais:

Tenha paciência, se eu ficar nervosa o carro morre!“.

É evidente que o termo morre na frase tem a conotação de apagar, desligar. Mesmo assim, me pus a pensar nela num sentido denotativo, ou seja literal, por pura curiosidade semântica.

Obviamente que, em se tratando de um objeto inanimado, o carro não morreria literalmente. A menos que refletíssemos mais profundamente sobre o que ele (o carro) representa socialmente. Assunto que já venho estudando e escrevendo desde o Efeito Transformers em Trânsito, no qual exponho o fenômeno da humanização da máquina e a mecanização do humano.

Diante dessa breve reflexão, fico a me questionar o quanto a vida, não a do carro, mas do condutor (e mesmo as dos demais ocupantes do veículo) seria capaz de gerar a mesma empatia aos demais condutores. É claro, que para quem lê a placa de advertência colada na traseira do veículo, fica evidente se tratar de um apelo do condutor, de uma súplica por paciência diante da sua inexperiência e falta de habilidade, já que ser habilitado não significa necessariamente ser habilidoso. Mas o erro é algo eminentemente humano, ao qual todos estamos sujeitos, seja experiente, seja habilidoso ou não. Então será mesmo preciso a instalação de uma placa no nosso veículo para que sejamos dignos de paciência e compreensão para com os nossos erros no trânsito?

Em outro artigo eu já questionei se HUMANIZAR O TRÂNSITO: SERÁ REALMENTE A SOLUÇÃO?, por entender que o ser humano não é, nem de longe, medida para tolerância, empatia ou civilidade.

Ou estarei eu sendo demasiadamente pessimista com a nossa espécie?

Talvez ainda tenhamos a capacidade de, um dia, nos comportarmos no trânsito de uma forma digna de podermos adotar o termo “trânsito humanizado”. Não só no sentido conotativo, mas também no denotativo. Desde que o carro não “morra”, é claro!

Rodrigo Vargas de Souza

Sou formado em Psicologia pela Unisinos, atuo desde 2009 como Agente de Fiscalização de Trânsito e Transporte na EPTC, órgão Gestor do trânsito na cidade de Porto Alegre. Desde 2015, lotado na Coordenação de Educação para Mobilidade do mesmo órgão.Procuro nos meus textos colocar em discussão alguns dos processos envolvidos na relação do sujeito com o automóvel, percebendo a importância que o trânsito, espaço-tempo desse encontro, vem se tornando um problema de saúde pública. Tendo como objetivos, além de uma crítica às atuais contribuições (ou falta delas) da Psicologia para com a área do trânsito, a problematização da relação entre homem e máquina, os processos de subjetivação derivados dessa relação e suas consequências para o trânsito.Sendo assim, me parece urgente a pesquisa na área, de forma a se chegar a uma anuência metodológica e ética. Bem como a necessidade de a Psicologia do Trânsito posicionar-se de forma a abrir passagem para novas formas heterogêneas de atuação, que considerem as singularidades ao invés de servirem como mais um mecanismo de serialização das experiências humanas.

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