Aperte o botão e aguarde: essa lógica ainda funciona nos dias de hoje?
Dia desses, me dirigia à parada de ônibus para ir ao trabalho. Era bem cedo da manhã ainda e o movimento nas ruas, ainda escuras, tanto de pedestres quanto de veículos, era bem reduzido. Por não ser aquele um horário com o qual estou habituado a ir trabalhar (e devido ao sono ainda remanescente), me rendi a certos automatismos, como, por exemplo, o de apertar o botão que ativa o semáforo de pedestres e aguardar. Como estou acostumado com um movimento bem mais intenso de veículos no horário que habitualmente saio, me vi surpreso por estar parado, aguardando o semáforo fechar para os veículos para terminar minha travessia. Veículos que, praticamente, inexistiam àquele horário. Fiz aquilo que a grande maioria faria nessa situação: atravessei, ainda que o sinal estivesse fechado para mim.
Logo após terminar a travessia, um pensamento me invadiu a mente. Antes mesmo do remorso ou da culpa por ter cruzado o sinal vermelho, pensei “que sacanagem… daqui a pouco vai fechar o sinal e os carros (se houver algum) terão que parar para absolutamente ninguém passar!”. Foi só então que fui invadido por um sentimento de culpa. Mas, novamente, não por ter cruzado o sinal vermelho, mas por estar, de certa forma, atrapalhando o fluxo de veículos.
Uma guerra interna se instalou na minha cabeça. Daquelas envolvendo o Id e o Ego, aos moldes freudianos mais tradicionais (saiba mais). Me despi de qualquer moralismo e decidi fazer as vezes de “advogado do diabo”. E quanto tempo temos nós, pedestres, que aguardar para realizarmos uma travessia de uma avenida? E quanto tempo temos para realizar uma travessia? Na esquina do meu trabalho, que fica às margens de uma grande avenida da cidade, tenho exatos nove segundo para vencer uma via de quatro faixas. Mesmo eu, um adulto jovem, com condicionamento físico mediano, tenho dificuldade para completar a travessia no tempo disponibilizado. Se me distraio olhando alguma mensagem no celular e perco dois segundo que seja, já tenho que dar aquela corridinha para chegar ao outro lado em tempo.
E se pensarmos na travessia de um idoso? Porto Alegre é hoje considerada a capital brasileira dos idosos. Mais de 15% da população da cidade é de idosos, a maior em proporção do país. E, com o constante aumento da expectativa de vida esse número tende a crescer anualmente. Ou então qualquer outro cidadão com mobilidade reduzida, seja essa redução permanente ou temporária, como faria? Uma solução bastante interessante foi adotada há cerca de dois anos em diversos cruzamentos da cidade de Curitiba: Foram instalados semáforo inteligentes, juntos aos quais havia um sensor. À medida de um idoso ou pessoa com dificuldades de mobilidade se aproximasse para fazer a travessia, eles aproximam do sensor o mesmo cartão de isenção do transporte público e o semáforo, automaticamente, concede um tempo 50% maior para a travessia.
Enquanto todas essas questões me inundavam a mente, me pus a imaginar uma metáfora. A de uma cidade de automóveis. Nessa cidade, os carros saíam todos os dias bem cedo de seus edifícios-garagem e tomavam as ruas à caminho de seus trabalhos, escolas, faculdades e etc. E já no portão de saída começava o primeiro impasse do dia: era quase impossível ganhar as ruas. O simples ato de atravessar a calçada, acreditem ou não, era um trabalho homérico. Tudo em função deles, pequenos parasitas, que cismavam em caminhar de um lado para o outro sem parar e, a cada dia, deixavam nossa cidade mais humanizada, ou seja, mais lenta, mais perigosa e difícil de transitar. Sem falar quando eles amassam nossa lataria com seu pequenos corpos cheios de ossinhos… insetos repugnantes! Semana passada mesmo tive que passar dois dias na chapeação por conta de um retrovisor quebrado em função de um pedante pedestre que não pôde esperar seu sinal abrir e atravessou a rua entre os carros ainda em movimento. Veja que absurdo…
Certa feita, atrasado para um compromisso, resolvi pegar um atalho. Para minha surpresa, tive que retornar por onde viera. Tudo porque aquele grande espaço ajardinado (ao qual essas insignificantes criaturas dão o nome de praça) estava simplesmente infestado. Pessoas sentadas em cadeiras de praia gastavam seu tempo com conversas inúteis que (literalmente) não levavam a lugar algum, Crianças (acho que é esse o nome que eles dão àqueles filhotinhos…) corriam, gritavam e sorriam como se não soubessem que aquele espaço inútil irá, um dia, se tornar uma grande avenida, na qual o progresso da cidade escoará livremente.
E falando em atraso… por que tantas faixas de segurança?! Isso sim é um atraso de vida… Se aquelas pessoas teimam em atravessar onde bem entendem! Já implantamos até gradis em alguns pontos mais críticos, mesmo assim fica difícil trafegar sem ser perturbado por um transeunte no meio da via… Não seria o caso de instalar algumas plaquinhas com frases do tipo “Pedestre: aperte o botão e aguarde!“? Não podemos mais perder tantos carros… nossa cidade não suporta mais!