Por que as campanhas educativas de trânsito não dão certo no Brasil?
Efetivamente, as campanhas de trânsito no Brasil não dão certo, porque se estivéssemos no caminho certo a realidade retratada pela Revista Veja em sua edição de 7 de agosto não repetiria aquilo que se sabe: cada vez mais feridos, inválidos e mortos no trânsito. Crianças e jovens até 30 anos são os que mais morrem em acidentes.
Falta investimento, mais presença e iniciativa do poder público; falta linguagem adequada para atingir as diferentes faixas etárias e grupos de pessoas no trânsito; a realidade grita por campanhas imediatas que não são feitas porque quem deveria fazê-las entende que é óbvio que o pedestre atravesse na faixa e, portanto, é jogar dinheiro fora em campanhas que dizem o que ele já sabe.
Como se não bastasse um governo que baixa taxa de IPI para estimular a compra de carro zero sem oferecer uma malha viária decente, que ignora o crescimento da frota, os engarrafamentos, o aumento dos acidentes de trânsito, que não estimula o uso de meios de transporte alternativos como a bicicleta, ainda desvia verba do Fundo Nacional de Segurança e Educação de Trânsito (Funset) para servir de reserva de contingência.
Outra coisa: para um país como o Brasil que tem custos sociais altíssimos com acidentes e onde o trânsito mata mais que as guerras no Oriente, do que o câncer e do que todo o grupo de doenças cardiovasculares juntas, é uma vergonha o que se investe em educação e prevenção.
O Funset é um fundo nacional administrado pelo Denatran e recebe 5% do valor de todas as multas arrecadadas no Brasil. Segundo dados do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi), dos R$ 87,9 milhões destinados ao Funset no ano de 2007 somente R$ 2,2 milhões foram aplicados em educação do motorista e prevenção de acidentes. Os outros 96% do orçamento do fundo foram para custear o Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro).
Levantamento do site Contas Abertas em 2011 mostrou que o orçamento do Funset neste ano foi de R$ 690,9 milhões, mas só 18,5% foi aplicado, efetivamente, em projetos educativos. A maior parte, cerca de R$ 494 milhões, foram destinados à rubrica de auxílio de formação de superávit primário do governo federal para o pagamento de juros da dívida.
No ano de 2012 foram aplicados, efetivamente, só R$ 2,4 milhões em programas educativos e preventivos de trânsito.
Enquanto o Brasil investe pouco e faz campanhas água de salsicha, com linguagem e abordagens muito fraquinhas sobre o tema para evitar a tal anodinia, aquela sensação de anestesiamento diante do sofrimento humano num acidente de trânsito, na Europa e em outros países utiliza-se o impacto das imagens de acidentes de trânsito para ajudar a “cair a ficha” para a gravidade do problema.
Eles não chocam com imagens de corpos estraçalhados e as campanhas de organizações como a Safety Road, no Reino Unido, e da Comissão de Acidentes de Transporte (TAC), na Austrália, são sérias e utilizam linguagens emocionais adequadas para mudar comportamentos que são gerados por emoções.
Mesmo as campanhas para a travessia segura na faixa de pedestres deveriam ser mais sérias e sair daquele discurso batido de que a faixa é do pedestre e ponto final, quando na verdade não é bem assim.
Deveriam esclarecer que o pedestre perde a preferência e pode perder a vida se desrespeitar a sinalização semafórica dentro de uma abordagem que deveria ser mais educativa para que o pedestre não saia por aí pensando que a faixa é só dele, que pode se atirar na frente dos carros e o motorista que pare a qualquer custo e de sopetão diante de uma faixa de pedestres em via de fluxo rápido.
Alguém aí já viu campanha educativa deste tipo que informa sobre os deveres do pedestre em ter autocuidados como requer os artigos 69 e 70 do CTB? Pois é, a maioria só diz que a faixa é do pedestre e não menciona o dever de autocuidados.
Não adianta ficar se perguntando quando o Capítulo VI do CTB sairá do papel enquanto o dinheiro para as campanhas educativas continuar sendo usado para outros fins; enquanto não se encontrar uma linguagem adequada para atingir as diferentes faixas etárias e públicos no trânsito.
Os psicólogos sabem mostrar as consequências de um comportamento ruim ou inadequado tem mais efeito do que um filme de campanha de trânsito que usa linguagem infantilizada, que esconde o que vem depois da freada forte e da batida. Tem muito mais efeito na mente e no emocional das pessoas ver as consequências do acidente para ela e para os outros e realmente entendam que todo mundo paga e todo mundo se machuca quando alguém provoca um acidente.
As campanhas educativas de trânsito no Brasil não funcionam porque não são educativas, porque não falam a linguagem do mais jovem, do idoso, da gestante, do cadeirante, de quem anda com apoio de muletas e de outras pessoas de mobilidade reduzida.
Não funcionam porque não falam a linguagem do infrator contumaz, porque não são permanentes, porque focam mais na multa e nas proibições do que na necessária mudança de comportamento, mas também pelo receio da tal anodinia que faria as pessoas ignorarem a mensagem de filmes educativos que mostrassem a realidade que vemos nas ruas e que as pessoas sentem na pele.
Pois eu digo que a anodinia, essa sensação de anestesiamento diante do sofrimento das pessoas em acidentes de trânsito, já se instalou faz tempo entre aqueles que gerenciam o país, o Funset e as campanhas educativas de trânsito no Brasil.