O Natal da ressurreição para o trânsito
Meu Natal deste ano vai ser diferente. Não será um Natal barulhento, com árvore enfeitada, com correria às lojas para gastar com pacotes e presentes. Até porque muitos não estarão presentes. Também não será um Natal triste, mas sim de reflexão, um Natal de ressurreição como pessoa e como profissional da segurança no trânsito. Será um Natal em que buscarei como nunca antes tinha feito, o espírito e a presença do aniversariante. Meu coração e meus pensamentos estarão com ainda mais força junto às vítimas de acidentes de trânsito e suas famílias, sobretudo, quando as vítimas, sobreviventes ou não, são nossos irmãos que se doam diariamente na causa humanitária de salvar vidas no trânsito.
Ao contrário desse fenômeno chamado anodinia, aquela sensação de anestesiamento e de indiferença à dor do outro e que nos faz enfraquecer (ou perder) a capacidade de empatia, que nos faz ver as mazelas no trânsito apenas como notícias ou mais uma manchete de capa, ou mesmo tratar as vidas perdidas em acidentes apenas como números, precisamos resgatar a nossa humanidade. Até porque, só teremos um trânsito mais humano quando acreditarmos e passarmos a exercer a nossa capacidade de humanizar o trânsito.
Por este motivo, que em vez de reverenciar Papai Noel e se render aos apelos comerciais da época e à toda hipocrisia do discurso e das atitudes de bondade, fraternidade e amor incondicional em um só dia do ano, prefiro me recolher na busca e no encontro com o verdadeiro significado e espírito do Natal. É lamentável que esse amor natalino que transforma as pessoas por alguns momentos não dure todos os dias do ano quando estamos no trânsito.
Enquanto as pessoas correm feito formigas atrás de presentes que não podem faltar, muitos não estão e não estarão mais presentes. Sempre faltará alguém na foto, na mesa, na sala para receber o seu pacotinho enfeitado. Sempre faltará alguém muito amado e importante na vida de alguém porque ele mesmo ou outra pessoa agiu com imprudência, com imperícia, com negligência, com excesso de confiança e sem respeito à vida no trânsito.
É dessa ausência que eu me preencho – e isso não quer dizer que eu esteja depressiva, melancólica ou que meu Natal seja triste – para refletir sobre o verdadeiro significado do Natal, que nada mais é, a ressurreição da vida, do modo como valorizamos e celebramos a nossa vida e a do outro. É dessas milhares de ausências e de vidas que se vão todos os anos que me preencho neste Natal para resgatar ainda mais a minha humanidade. Para renascer como pessoa, como profissional, como ser humano que assumiu o compromisso existencial de abraçar com lealdade e honra a causa humanitária de salvar vidas no trânsito.
A noite de Natal deste ano será de orações, para emanar vibrações boas, positivas às vítimas e seus familiares. Será um Natal de reverência à memória de cada um, de respeito à dor das famílias e da sociedade. Um Natal para não esquecer também dos nossos irmãos de farda, resgatistas, socorristas, agentes de trânsito, dos educadores de trânsito e de todos os anônimos que lutam, lutaram e tombaram no asfalto, o nosso campo de batalha diário.
Um Natal para pedir à Deus que dirija o pensamento dos gestores do trânsito em nosso país para que eles tenham visão, ação e iniciativa. Para que não tenham preço, mas sim valor enquanto homens públicos que receberam de alguns amigos e da sociedade a missão, temporária ou não, de zelar e cuidar da vida das pessoas no trânsito.
Porque a nossa missão nunca termina: é diária, incessante, implacável, ainda que muitas vezes feita de um exército de um homem só em seu front. Um Natal para pedir mais humanidade, mais sensibilidade, mais coração. Para que quando alguns desistirem, tenhamos forças para seguir sempre em frente, e para que quando essas forças nos faltarem, possamos seguir com a nossa fé.
Neste Natal, quem sabe pela primeira vez, vou festejar de corpo e alma o aniversariante. Vou abrir as portas da minha casa e do meu coração não para o Papai Noel, o homem mítico e lendário de vermelho, bondoso e que traz presentes. Até porque o nosso campo de batalha, o asfalto, já vive manchado de vermelho e muitos não estarão mais presentes.
Neste Natal vamos celebrar a vida em todas as suas formas. Aos que estão presentes, que possamos nos unir em pensamento e em ações e nos entregar de corpo e alma ao longo de todos os dias do ano à missão por um trânsito seguro e mais humano. Afinal, sangue e alma não servem só para correr pelo corpo e ansiar por salvação, mas para colocar em tudo o que fizermos.
Aos que já se foram pelas vias públicas do nosso país, aos que tombaram no campo de batalha e deixaram seu sangue no asfalto e a sua essência como inspiração, só peço ao aniversariante que a morte deles não tenha sido em vão. Para que o luto se transforme em luta. E para que em sua honra e memória possamos renascer como seres humanos, resgatar a humanidade perdida e fazermos cada um a nossa parte por um trânsito mais humano e seguro.
À todos, um Feliz Natal. Mas, um Natal verdadeiro, pleno na essência de seu significado e de ressurreição para um trânsito seguro. E que para o ano que se inicia, saibamos aproveitar todas as 365 oportunidades que ele traz.