Morte na aula reacende a polêmica da formação de motociclistas
Depois da morte de uma candidata à primeira habilitação de moto, a situação que já era séria e polêmica, ficou mais ainda. O fato consternou instrutores de trânsito, alunos, CFC’s e seus profissionais em todo o país. Certamente, também abalou (ou deveria abalar) as estruturas do processo de formação de condutores em um país que corre o risco de se transformar na sociedade dos inválidos em consequência de acidentes com motos.
A moça de 24 anos fazia aulas práticas no pátio no momento do acidente quando acelerou demais e invadiu a via pública por um espaço suficiente para que a moto fora de controle avançasse. Com a condutora ainda na aprendizagem dos fundamentos para dirigir a motocicleta, o veículo de aprendizagem acabou colidindo com outro, o que causou a sua morte mais tarde, no hospital.
A tragédia reacende um debate antigo e uma polêmica: se o candidato a habilitação de moto vai dirigir em via pública depois de habilitado nas mesmas circunstâncias e condições que os condutores experientes, por quê todo o processo ainda é feito no espaço limitado de um pátio? De outro lado, os que afirmam que se no espaço limitado do pátio aprender a dirigir uma moto já é perigoso, imaginem em via pública!
Junto com as apurações e responsabilizações quanto às causas deste acidente, não vai faltar as apontações de dedos, até porque os responsáveis precisam ser identificados e punidos para que mais candidatos não paguem com a própria vida por um sistema de formação de condutores que anseia por atualização e mudanças não é de hoje! Certamente, é isso que a família da candidata, os formadores de condutores em toda a ponta do sistema e toda a sociedade querem.
As causas deste acidente e os responsáveis só a perícia e todo o processo de investigação vai dizer. Podemos fazer ideia de como estará a família? O instrutor? Os responsáveis pelo local de aprendizagem? O sistema de formação de condutores?
Em meio aos debates e discussões surgem vários indicadores de que o processo de formação no Brasil precisa ser revisto urgentemente, e todos estão interligados, sejam eles a renovação pedagógica, a carga horária, a fiscalização obrigatória dos locais de ensino e aprendizagem teórica e prática, dentre outros. Os pátios devem ser seguros, bem sinalizados, ter proteção e elementos que impeçam que um veículo descontrolado nas mãos de um candidato possa avançar sobre pessoas, cercas, buracos nas cercas e sobre a via pública. Candidatos em processo de aprendizagem não sabem dirigir e não é justo que lhes seja cobrado perícia sobre algo que ainda estão aprendendo a fazer.
A diferença entre o processo de formação de condutores no Brasil e em outros países começa pelo próprio conceito de dirigir, na grade curricular e na carga horária de formação. Enquanto aqui se destina poucos minutos da primeira aula prática para conhecer os veículos e sair dirigindo nas ruas, em países como a Suiça, a Itália, a Espanha, as primeiras aulas práticas são para conhecer os veículos, para explorar exaustivamente cada pedal e comando separadamente, depois para aprender a usá-los, ainda no pátio, de forma combinada.
Em países com menor acidentalidade entre recém-habilitados os candidatos não assumem o controle o volante ou o guidon da moto em via pública sem antes conhecer e explorar os fundamentos básicos com o veículo quase parado, sobre todos os tipos de frenagens, de trocas de marchas, de curvas, de esterçamento e subesterçamento, a pegada correta nos manetes, dentre outros. Por aqui, já na primeira aula prática, em se tratando de carros, o aluno já é colocado no primeiro dia em via pública sem saber o que fazer com o volante, sem entender de forma significativa e sem autonomia no trânsito de verdade. Não é à toa que depois de habilitados têm consolidada a convicção de que dirigir é colocar o carro para andar em linha reta. Não é à toa que demoram muito e, muitas vezes, pagam caro para compreender o conceito e os fundamentos de marcha a ré, de estacionamento, de baliza e outros.
Precisamos urgentemente sair desse adestramento focado na memorização rápida de movimentos que foram instruídos a toque de caixa para poder passar na prova porque a carga horária é muito pequena e não sobra tempo para trabalhar e explorar com o candidato os conceitos e fundamentos de uma aprendizagem realmente significativa.
Vemos o próprio sistema de formação de condutores reproduzindo a falácia de que dirigir se aprende mesmo é no trânsito, com a diferença de que recém-habilitado não aprendeu o suficiente durante o processo de formação para saber o que fazer se algo der errado.
Para formar, temos de fazer mais do que instruir e para isso há dois pilares a serem trabalhados: a atualização pedagógica para que o ensino e a aprendizagem sejam significativos, e uma carga horária que possibilite trabalhar os fundamentos necessários. Só aumentar a carga horária sem mudar significativamente o modo como se ensina não vai adiantar, e um indicador disso pode ser a carga horária extra-oficial paga e cumprida por candidatos que acumulam reprovações e contratam aulas atrás de aulas.
Não é justo que os dedos em riste apontem só para o aluno ou para o instrutor, aqueles sobre quem cai a visibilidade pela aprovação ou reprovação. Não é justo que quando a aprovação seja alta a autoescola seja a única responsável e quando a reprovação seja grande os únicos culpados sejam o aluno e o instrutor.
Meus sentimentos à família, aos amigos, aos instrutores enquanto categoria e à todos que lutam por um processo de formação de condutores atualizado, que seja significativo e preventivo. Ninguém deve pagar com a vida o preço de um processo de formação de condutores em colapso.