Há algo de podre na formação e avaliação de condutores
Quando um condutor recém-habilitado se vê em apuros no trânsito e nos pergunta, de forma ingênua e ávido por uma resposta, para que lado vai a traseira do veículo quando ele gira o volante, aí a sirene de alerta dispara em relação à formação de condutores no Brasil.
Quando se constata, diariamente, a quantidade de acidentes provocados por recém-habilitados em via urbana e rodovias porque não aprenderam a executar fundamentos básicos de direção, tais como: olhar os espelhos retrovisores numa manobra, conhecer e fazer uso corretamente dos pedais e das marchas, aí estamos diante de uma situação insustentável.
Especificamente, não saber para que lado vai a traseira do carro quando vira o volante significa que o condutor recém formado ainda não construiu o conceito e-le-men-tar de que as rodas estão ligadas e respondem aos comandos de volante.
Pode significar, ainda, que as aulas teóricas não ensinaram o básico e que as aulas práticas de baliza também não ensinarão diante da prática adestradora e memorizadora de contar voltinhas no volante. Ou seja, decorando os movimentos amplos (1 volta e meia ou duas voltas completas no volante), o candidato não construirá conceitos e nem apreenderá o significado dos movimentos refinados, mínimos, que serão decisivos nas manobras com o veículo em baixa ou quase nenhuma velocidade.
Quando não se dá importância na fase de aprendizagem àqueles itens obrigatórios chamados espelhos retrovisores, o candidato a condutor fica sem saber para que eles servem de fato. Fica sem saber que o espelho retrovisor interno registra a imagem como o olho humano vê, mas que os retrovisores externos são de lente convexa e que, portanto, fazem os objetos serem vistos com mais profundidade, como se estivessem mais distantes, quando na verdade não estão.
Ficam sem saber que os retrovisores são os olhos do condutor para tudo aquilo que o olho humano não vê em seu campo natural de visão, e que para ser visto, em nome da segurança no trânsito, necessita dos espelhos.
Essas práticas ou falta de práticas de muitos instrutores abandonados pelos diretores de ensino nos CFC’s podem piorar diante das exigências bizarras de muitos avaliadores que desrespeitam as resoluções do CONTRAN e diminuem a bel prazer a distância entre as balizas e (pasmem) proibem o uso dos espelhos retrovisores durante o exame de direção.
Segundo o art. 16, § 1º, letras “a” e “b” da Resolução 168/2014, a delimitação da vaga a ser balizada deve ter tanto o comprimento quanto a largura total do veículo, acrescidos de mais 40%, respectivamente. Ocorre, que ignorando o que diz a Resolução, que tem força de lei federal, há examinadores que colocam as balizas mais próximas com a justificativa de que os candidatos têm de se acostumar com as vagas apertadas do dia a dia nas ruas.
Ainda que os espelhos retrovisores sejam itens obrigatórios conforme a Resolução 14/98 do CONTRAN, muitos candidatos e instrutores se queixam do desserviço de certos examinadores que proíbem terminantemente, de olhar nos espelhos retrovisores internos e externos enquanto manobram para a baliza, mas admitem o artifício de adesivos coloridos fixados nos vidros.
A exigência é de que o candidato torça o pescoço para trás e visualize a olho nu a janela de trás do veículo de aprendizagem para colocar o carro na vaga. Aí, no dia a dia, o motorista recém-habilitado reproduz esse adestramento e se tiver um bueiro aberto encaixa a roda dentro acumulando ainda mais prejuízos além de uma formação vergonhosa.
Há instrutores que alertam os seus alunos para que, diante do impedimento de olhar nos retrovisores, os alunos busquem outros “pontos de referência” e macetes porque alguns examinadores (pelo jeito, não se entendem nem entre eles) arrancam os tais adesivos.
Segundo relatos documentados de alunos e instrutores, se no dia do exame o avaliador flagrar o candidato tentando olhar nos retrovisores, é advertido verbalmente.
Motoristas que saem do CFC sem saber para que lado vai a roda e a traseira do veículo quando viram o volante; motoristas que não sabem usar espelhos retrovisores para manobrar e fazer transposição de faixa; motoristas que não conseguem dirigir sozinhos depois de habilitados e que mais se acidentam, matam e morrem no trânsito. É isso que estamos formando para acrescentar ao saldo de mais de 60 mil mortos e quase meio milhão de sequelados em acidentes de trânsito por ano?
Será que esses instrutores e examinadores dirigem, manobram e estacionam da mesma forma que “ensinam” e cobram dos motoristas?
Se a Lei 9.503, de 23 de setembro de 1997, que instituiu o Código de Trânsito Brasileiro com todas as mudanças e rígidas exigências, não consegue sinalizar para uma formação significativa e defensiva de novos motoristas, o que dizer desse exército de condutores mais mal formados ainda antes do CTB e que dirigem diariamente sem conhecer placas, preferência em cruzamentos e a própria legislação?
Quando é que todos os envolvidos no processo de formação de condutores no Brasil vão se mobilizar, de fato, em torno da atualização pedagógica para substituir o adestramento e a memorização por métodos de ensino e aprendizagem significativa da direção veicular?
Afinal, quando se vê crescer diariamente a quantidade de profissionais e empresas que investem em treinamentos para ensinar motoristas habilitados a dirigir, é porque quem deveria formar esses motoristas não está conseguindo. E não me refiro só aos instrutores de direção.