Formação de condutores em colapso!
Manchete do Jornal O Tempo, de Belo Horizonte nessa última semana de outubro: “nenhuma autoescola atingiu mínimo de sucesso em exames”. E tem mais: “Além disso, dos 274 centros de formação, 174 não conseguiram sequer 30% de aprovação na prova de rua! Outros 17 CFC’s tiveram desempenho ainda mais sofrível e não conseguiram alcançar sequer 20% de sucesso. Os CFC’s que se destacaram entre os demais foram os que conseguiram aprovar mais de 40% dos candidatos. E foram só 8.
Não é de hoje que a situação em Minas Gerais está feia no que diz respeito às reprovações nos exames práticos de direção e já foi inclusive matéria do Fantástico. Mas, essa não é só uma situação exclusiva de Belo Horizonte: a formação de condutores está em colapso faz tempo e o problema é nacional.
Também não trata de apontar dedos e sair buscando um único culpado porque cada vez que um candidato reprova ele não reprova sozinho: roda e cai junto com ele todo o sistema de formação de condutores no Brasil. É um efeito cascata que envolve à todos: quem está no topo do Sistema Nacional de Trânsito, o DENATRAN, as Câmaras Temáticas, o CONTRAN, o Detran, os CFC’s, os diretores geral e de ensino, os instrutores, os examinadores e os próprios candidatos.
É no âmbito da atuação de cada um que temos que pensar esse colapso no processo de formação de condutores. A visibilidade maior das reprovações pode estar no aluno ou no instrutor, mas temos que levantar esse tapete negro e começar a enxergar bem o que existe embaixo dele.
É no topo do Sistema Nacional de Trânsito e nas Câmaras Temáticas em que os especialistas no assunto se reúnem para orientar as decisões e letra das resoluções do CONTRAN a partir dos problemas que temos, inclusive no processo de formação. É o Detran, órgão máximo executivo de trânsito nos estados, que tem a obrigação legal de credenciar e fiscalizar os CFC’s, mas também de dar apoio e condições organizacionais, operacionais, administrativas e principalmente pedagógicas.
Segundo a resolução 358/2010, cabe aos Detrans não só auditar as atividades dos credenciados e exigir o fiel cumprimento das normas legais e dos compromissos assumidos, mas também manter a supervisão administrativa e pedagógica. E isso inclui o apoio pedagógico, o socorro de que os CFC’s tanto precisam para tratar essa questão das reprovações.
Como será que os Detrans estão cumprindo com o art. 3º, inciso VII, letra b da referida resolução que trata de selecionar o material, equipamentos e ação didática a serem utilizados?
Não basta só controlar o número de alunos por turmas e elaborar estatísticas. Não se trata só de cobrar um plano pedagógico formalizado e dizer que está ok com a parte pedagógica!
Não basta ao dono do CFC cumprir com as exigências de credenciamento se ele não assume a marca da responsabilidade pedagógica e o compromisso de ser uma escola de aprendizagem que tem a nobre missão de formar os futuros motoristas que daqui a pouco estarão dirigindo nas ruas.
Não é não deveria ser função exclusiva dos diretores de ensino substituir os instrutores teóricos e práticos ou passar a se dedicar ao aspecto administrativo do CFC porque o diretor de ensino não pode descuidar da sua equipe: ele tem a função de orientar, coordenar, avaliar e apoiar os seus instrutores, sobretudo no aspecto pedagógico.
Os instrutores, por sua vez, também precisam aprender a cobrar isso dos diretores de ensino e de todos que estão em cada ponta do processo de formação de motoristas no nosso país começando por não apoiar o que não é certo entre os seus pares.
Não adianta dizer que tem 30, 40 anos de profissão se o seu aluno depois de habilitado ainda se pergunta para que lado vai a traseira do carro quando ele vira o volante porque não construiu conceitos significativos sobre o ato de dirigir.
Não adianta dizer que faz tudo certinho e se fechar no seu mundinho perfeito ignorando as dificuldades da categoria que vão além da baixa remuneração e das muitas horas de trabalho mal pagas. E a questão pedagógica, já que instrutores são tratados como professores, onde fica?
Ok. 20 horas aula é pouco para ensinar a dirigir, e quem sabe até seja isso que faça com que muitos instrutores busquem no adestramento do aluno uma forma de ensinar a toque de caixa, mas o que estamos fazendo seriamente para mudar isso? Só reclamando e colocando como primeira justificativa para as reprovações?
Será que só aumentar a carga horária sem rever os princípios pedagógicos de ensinar a dirigir já resolve o problema quando ainda existem instrutores ensinando os alunos a pisar na embreagem antes do freio nas frenagens contrariando o que diz o art. 19 da Resolução 168/2004 e que negativa o aluno, de cara, em 2 pontos na prova de direção?
Estamos buscando as vias e as pessoas e instituições certas para levar adiante essa insatisfação e essa suposta falha no processo de formação? Estamos buscando soluções conjuntas ou passando a batata quente adiante?
Também não adianta aos examinadores dizerem que não tem nada a ver com isso se o candidato não fez o que deveria ter feito, assim como não adianta culpar o aluno pela reprovação porque estava nervoso.
Assim como o trânsito é um sistema, a abordagem séria e o tratamento da questão devem ser sistêmicos, com cada um refletindo e assumindo a sua parcela de responsabilidade para a busca de melhorias na formação do novo motorista.
A verdade é que o sistema está em colapso assim como o próprio processo de formação. Mais do que nunca precisamos de um diálogo organizado entre todos os envolvidos no processo de ensinar e de aprender a dirigir no Brasil.
Não adianta só olhar o que os números dizem se não soubermos o que fazer para começar a resolver o problema.