Falta mentalidade sobre o uso da bicicleta?
Mesmo diante do caos urbano provocado pelo excesso de carros nas ruas, que aumenta a poluição, os engarrafamentos, o estresse com o trânsito parado, os acidentes e tira a nossa qualidade de vida, a representação do papel da bicicleta ainda é um assunto de extremos.
A Organização das Nações Unidas (ONU) elegeu a bicicleta como o transporte ecologicamente mais sustentável do planeta, não poluente, favorecedora da atividade física e da mobilidade urbana sustentável.
Pedalar alivia o estresse, auxilia no controle da ansiedade, proporciona rotas mais rápidas do que aquelas que se faria com o automóvel ou transporte coletivo, dentre uma lista extensa de outras vantagens.
Nas cidades brasileiras a lentidão dos veículos motorizados no trânsito em horários de pico levou alguns empresários a investirem no serviço de Bike Express, as entregas de encomendas por bicicletas em vez de motos e carros. E olha que os trajetos não são curtos e ainda assim a encomenda chega bem mais rápido na maior parte dos casos.
Para quem pensa que as bicicletas não tem representatividade, basta conhecer os números: segundo a Abraciclo, a frota de “magrelas” em 2012 era de 70 milhões de unidades com uso estimado de 50% como meio de transporte; 32% utilizadas por crianças e adolescentes, 17% como recreação e lazer, e 1% em esportes de competição.
Em Joinville, a maior cidade do estado de Santa Catarina, concentram-se 120 mil bicicletas, o que corresponde a 1 bike para cada 4 habitantes.
Embora a bicicleta tenha grande representatividade na vida das pessoas e também para a mobilidade urbana e sustentabilidade do planeta, o site Cidades do Brasil divulgou que nosso país tem apenas 600 quilômetros de vias para uso exclusivo de bicicletas.
Mas, ainda assim, muitas pessoas e motoristas criticam o uso da bike com o discurso de que são frágeis demais para disputar espaço com os carros, que o ciclista atrapalha o trânsito e só aumentam as estatísticas de acidentes.
Aliás, certas declarações de defensores ferrenhos dos automóveis mais parecem uma descarga pelo tanto que destoam da realidade. Um empresário em Santa Catarina criticou o uso da bicicleta, disse que a demanda de ciclistas é pouca, que o ciclista atrapalha o trânsito e que no futuro as pessoas devem optar por carros e motos, pois são mais cômodos.
Tais declarações publicadas num jornal local repercutiram de tal forma nas redes sociais que, ao tudo que tudo indica, o empresário deve ter se envergonhado, tanto que a publicação saiu do ar e nem Sherlock Holmes a encontraria vasculhando a internet.
Apagaram o escrito, não a indignação e a perplexidade das pessoas. Afinal, empresários de sucesso são conhecidos por terem visão de vanguarda e capacidade de uma leitura mais próxima da realidade. Sem esquecer que as cidades de Santa Catarina tem uma identidade cultural muito ligada ao uso das bikes desde a colonização.
E eis que fica no ar a pergunta: 70 milhões de bicicletas é pouco diante de uma frota de quase 33 milhões de carros e algo em torno de 11 milhões de motocicletas, segundo levantamento da frota circulante feita pela indústria de fabricantes de motopeças?
Que conforto é esse que as pessoas vão ter no trânsito com a frota aumentando sem parar ano a ano? O conforto de ficar horas trancado num engarrafamento sentado num carro com ar condicionado e banco de couro? Só se for isso, porque o conforto é um dos princípios do trânsito e refere-se a fluidez do tráfego, ao conforto de se perder menos tempo com carro parado queimando combustível e poluindo o meio ambiente.
Dados do Denatran dão conta que a frota de veículos no Brasil cresceu 119% em 10 anos e a de motocicletas cresceu 185% em sete anos e a realidade nos mostra que não existe conforto nenhum em decorrência disso.
Mas, para especialistas, o problema principal não é o aumento da frota, mas sim, o pensamento curto, o comportamento e a cultura dos motoristas em relação ao uso do carro. Pessoas que, talvez, em nome do tal conforto saiam de carro para fazer trajetos curtos que poderiam ser feitos de bicicleta ou mesmo a pé e de transporte público.
Agora, imaginem todo mundo indo e voltando de carro nos horários de pico que muvuca que fica o trânsito nas cidades! Qualquer bicicleta chega mais rápido do que qualquer carro nessas condições.
A saída para o problema é complexa, sabemos. Passa por uma política de transporte público de qualidade em que as pessoas não sejam prensadas e esmagadas nos ônibus e trens urbanos; planejamento do uso do carro; levar mais a sério o uso da bicicleta para trajetos curtos; e, principalmente, levar mais informação à todos os níveis e setores da sociedade para uma reflexão séria sobre o problema.
Pouca gente sabe que o Ministério das Cidades tem um Plano de Mobilidade por Bicicleta porque a visibilidade maior está nos carros. Nem as propagandas de bicicletas se vê mais na televisão!
O próprio governo federal tem que ser chamado à responsabilidade porque ao longo dos anos vem baixando taxas para incentivar a compra de carros 0km sem oferecer vias decentes, porque em suas propagandas que falam de melhoria da qualidade de vida da população a pessoa que sempre andou de ônibus passa a andar de carro, alimentando o estereótipo do símbolo de status, poder e qualidade de vida.
Talvez, o problema maior esteja na falta mentalidade em relação ao uso adequado não só da bicicleta, mas, principalmente, do carro no dia a dia.