Aprender a dirigir: a metodologia do supetão!
Esta postagem faz um convite à reflexão acerca do processo de habilitação para dirigir no Brasil em comparação com detalhes do processo de habilitação para dirigir em países com plataforma cultural voltada para a aprendizagem significativa da direção veicular e para a segurança viária.
Não se trata da busca de parâmetros de importação de coisas que dão certo no estrangeiro e que podem ser copiadas para o modelo brasileiro. Até porque tudo o que se tentou copiar até hoje no Brasil como um carbono do que dá certo lá fora saiu borrado no final para nós. Isso porque deixamos de levar em conta a principal diferença: a cultural.
Na Itália, país que está aprendendo com a Suíça a formar condutores de forma segura, existem 3 pilares de sustentação da formação de novos motoristas: a aprendizagem significativa e que faça sentido para o candidato, a segurança no trânsito e a redução do número de acidentes.
A principal diferença entre o modo como se aprende a dirigir na Suíça e em outros países do mundo está no fato de que não se ensinam truques, macetes ou receitas prontas. Nesses países sequer se cogita a ideia de contar voltinhas no volante para que o carro entre perfeitinho na vaga de baliza só no dia da prova. Tampouco se admite enfeites, pontinhos coloridos e marcações nos vidros porque ou sabe manobrar ou não sabe.
Os futuros motoristas suíços e italianos tem que construir primeiro os conceitos sobre o ato de dirigir e o que isso significa para ele, para os outros e a sociedade. Constroem os significados de cada ato ao volante e aprendem a executá-los com domínio e autonomia. Formam-se motoristas para dirigirem sozinhos com segurança no trânsito e não só para passar na prova.
No Brasil, já na primeira aula prática o aluno constrói o conceito equivocado de que dirigir é andar em linha reta como se nunca fosse aparecer uma curva mais fechada, uma ladeira ou como se nunca tivesse que dirigir além dos 40km/h.
O instrutor brasileiro pega o aluno para a primeira aula, pergunta se ele já tem noções de direção e se tiver alguma, já coloca sentado no banco do motorista. Se a pessoa não tem nenhuma noção do que seja dirigir, é apresentada rapidamente ao painel e aos pedais e colocado no trânsito de supetão para aprender por tentativa e erro. O que o aluno vai pensar que é realmente dirigir? Acelerar em linha reta e pronto?
Desde 2008 interagindo com o Grupo Aprendendo a Dirigir, projeto piloto que foi um dos vencedores do XIII Prêmio Denatran na categoria Cidadania, constato diariamente entre os motoristas “formados” nas autoescolas que as principais dificuldades são: não saber para que lado vai a traseira do carro quando se vira o volante; não saber a diferença entre farolete e farol baixo; não saber passar as marchas; não dominar o carro em ladeira. Ou seja, o básico, o elementar e o fundamental que todo motorista deveria sair do CFC sabendo para dirigir com um mínimo de domínio do carro e não causar acidentes por imperícia.
Já nos países de plataforma cultural voltada para a aprendizagem significativa da direção veicular as primeiras aulas iniciam com conteúdos de consciência de tráfego e sensibilização para o trânsito. O aluno aprende técnicas de visão periférica para que desenvolva a habilidade de prestar atenção à tudo à sua volta; aprende a separação dos fatores de risco e como prevenir acidentes. Não nas aulas teóricas, mas nas aulas práticas.
Antes de sentar no banco do motorista o candidato aprende sobre leis da física que governam o carro em diferentes marchas; aprende técnicas de esterçamento e sobreesterçamento; relações de causa e efeito em diferentes estágios de uma curva; as frenagens de emergência e as reações correspondentes à tração nas rodas dianteiras e traseiras.
O curso de primeiro socorros é feito em instituições hospitalares onde o futuro motorista é formado não pelo instrutor do CFC, mas por profissionais de saúde e tem contato direto com os acidentados de trânsito.
As primeiras aulas práticas exploraram as diferentes situações de giro de volante e de uso de cada pedal separadamente. O aluno aprende diferentes manobras de ré e quem não sabe estacionar em qualquer situação não sai da autoescola. O candidato tem que mostrar se tem condições realmente de dirigir sozinho e com segurança depois de habilitado.
As aulas são em autódromos com pista fechada em que se simulam as principais situações adversas de direção. A pista é irrigada para simular situações de aquaplanagem, aproximação de radares eletrônicos, óleo na pista, obstáculos que simulam pedestres e animais atravessando de modo súbito. Todo o curso é feito com o aluno em seu próprio carro.
Antes da prova prática é feita a avaliação do modo como o aluno dirige e os conteúdos de direção ecológica revelam que o motorista sai da autoescola já aprendendo a fazer uma economia de 10% de combustível.
Se o candidato ainda não sabe para que lado vai a traseira do carro quando ele vira o volante sequer prossegue, sequer avança de fase. Tudo isso porque nos países com plataforma cultural voltada para a formação segura do motorista tudo o que se procura evitar é o choque do tutto súbito o que aqui no Brasil chamamos de supetão.
Enquanto aqui no Brasil o processo dura 1 ano e é interrompido pelo aluno muitas vezes, na Suíça e na Itália o processo dura 3 anos. A carga horária para se formar um motorista na Itália é maior que a carga horária para se formar um instrutor no Brasil e o Estado participa e fiscaliza tudo.
O que dizer do processo brasileiro de formação de condutores feito a toque de caixa, com 20 horas aula de prática e que o aluno sai do CFC sem ter domínio de volante, sem saber para que lado vai a traseira do carro, fugindo de olhar nos espelhos retrovisores e “esquecendo-se” de sinalizar todas as manobras?
Foram 6 meses de intercâmbio com autoescolas e instrutores italianos e suíços para tentar introduzir no Brasil os princípios básicos de formação de motoristas pela aprendizagem significativa. Neste tempo, ao trocar experiências com quem ensina a dirigir em países de plataforma cultural voltada para a segurança viária uma das exclamações que mais ouvi era “Accidente”.
Sim, são em torno de 60 mil por ano e sempre envolvendo os com menos tempo de habilitação.