A política no trânsito e o trânsito na política
Não é novidade para ninguém que os principais cargos relacionados ao trânsito no nosso país são por indicação política. Em todas as esferas dos entes públicos é assim, sobretudo nos Detran’s.
Não que eu seja contra cargos políticos, pois é natural que um governante escolha para as funções-chave pessoas de sua mais estrita confiança e isso é razoável.
O problema ou a solução não é o cargo político, a indicação política ou até mesmo a fogueira das vaidades que não precisa de muita lenha para ser alimentada. O problema maior é quando não se põe a pessoa certa no cargo certo.
Numa das paradas pedagógicas Brasil afora para analisar com todos os envolvidos no processo de habilitação a necessidade de atualização e de um projeto pedagógico voltado para a aprendizagem significativa na formação de condutores, me deparei com um caso típico do mal que faz a política no trânsito.
No momento em que fui apresentada ao Diretor de Habilitação desse respectivo Detran, já que estávamos tratando, dentre outras coisas, de apoio pedagógico aos CFC’s e seus profissionais, fiquei pasma com a justificativa desse diretor.
Ele pediu desculpas, disse que estava somente há um ano no cargo, que não entendia nada de trânsito, que tinha formação de administrador e que estava ali para aprender sobre trânsito.
Agora imaginem: um diretor de habilitação que por dever de ofício deve conhecer, no mínimo, dos assuntos básicos como a aplicação de Resoluções como a 168/2004 e 358/10 há um ano no cargo e nem saber que essas resoluções existem.
Como se trata nesse estado e nesse Detran de assuntos como o credenciamento de CFC, aplicação do art. 11 da 358, apresentação de novo plano pedagógico, índices de reprovação, (re)qualificação de CFC’s e seus profissionais, dentre outros?
Era a primeira vez que esse diretor de habilitação tinha entrado num pátio com veículos de aprendizagem. Nem a área do circuito de provas oficial do Detran do qual é diretor de habilitação ele conhecia.
Como as paradas pedagógicas tem a finalidade de ser uma roda de conversa com todos os envolvidos no processo de habilitação e formação de condutores para fazer um raio X da situação no estado e buscar oportunidades e soluções conjuntas, talvez, para evitar constrangimento por desconhecimento do assunto, este convidado ilustre tenha se retirado antes do tempo.
No que se refere à política no trânsito, o nosso país vive um momento histórico em relação à formação de condutores e aos debates do ponto de vista de cada um dos envolvidos. Audiências públicas estão sendo feitas no Congresso Nacional, na casa de leis que decide as coisas no país e que tem proporcionado muita informação à sociedade, mas que vem sendo criticado por influência da política no trânsito.
Ora, já dizia Aristóteles que o homem é um ser político. Já virou clichê a frase “política da boa vizinha” ou a arte de administrar conflitos que podem render uma grande dor de cabeça.
O fato é quando se fala em política logo vem à mente das pessoas as bandeiras partidárias, as siglas e os nomes de alguns caciques de partidos, quando, na verdade, a política, inclusive no trânsito, deveria ser vista no real sentido de Aristóteles. Ou seja, política como termo derivado de pólis (a cidade) e tudo que se refere à ela. Tudo que é civil, urbano, público e que merece ser debatido, analisado e melhorado para o bem comum.
É assim que vejo os debates e audiências públicas em Brasília em torno da necessária melhoria e qualidade na formação de condutores num país em que diariamente vidas são interrompidas por acidentes de trânsito e a responsabilidade é, sim, de cada um dos envolvidos no processo de habilitação.
Alguns entenderão a política no trânsito e o trânsito na política como bandeira partidária. Outros, incorporarão o conceito de Russel e conceberão como a arte de conquistar, manter e exercer o poder nesses debates e até nos seus resultados.
Há quem conceba a política como Hobbes e a vejam como um conjunto dos meios que permitem alcançar os efeitos desejados.
Entendo que a política no trânsito deveria colocar as pessoas certas no lugar certo; deveria colocar profissionais do trânsito, com formação em trânsito, que vivem e que respiram o trânsito, que tem compromisso existencial com a segurança e a vida no trânsito em cargos-chaves como Detrans, diretorias de trânsito nos municípios, Escolas Públicas de Trânsito e outros.
Entendo que o trânsito na política vive um momento histórico, de debates, de análises, de diálogo, de mudanças, e é muito bom que quem tem a força e o poder de mudar as coisas nesse país passe a se interessar pelo assunto de maneira séria e comprometida.
Na verdade, o trânsito deveria ser um território de menos politicagens, de menos vaidades, pois quem é da área sabe o quão difícil é se implantar bons projetos na área de prevenção e de educação para o trânsito, principalmente se não se tem a benção de algum político na cidade. Ou, se não interessa a esses políticos.
Não sou contra a política no trânsito desde que os profissionais certos estejam nos lugares certos.
Não sou contra a política no trânsito se ela vem para repensar, atualizar e melhorar o processo de formação de novos motoristas com um projeto pedagógico adequado que torne o ensino e a aprendizagem do ato de dirigir significativos.
Sou contra a politicagem.