Mobilidade no transporte coletivo por ônibus elétricos no Brasil: futuro próximo ou ainda distante?
O transporte coletivo, majoritariamente por ônibus no Brasil, vive um momento decisivo, e a Covid-19 tornou esse cenário ainda mais urgente.
Segundo pesquisas da Associação Nacional das Empresas de Transporte Urbano (NTU), o setor já vinha perdendo passageiros continuamente nas últimas décadas. A queda foi de 25% entre 1994 e 2012 e de mais 26% entre 2013 e 2017. Em 2018, houve uma relativa estabilidade, seguida de nova queda de 4,3% em abril de 2019 sobre abril do ano anterior.
Com a Covid-19, houve uma redução abrupta, em torno de 63%, nas principais metrópoles do país. De acordo com o presidente da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE) e diretor de Marketing e Sustentabilidade da BYD do Brasil, Adalberto Maluf, somente na cidade de São Paulo, que tem a maior frota de ônibus municipal do Ocidente, o movimento chegou a cair 77% no final de março.
“O setor, que já tinha o desafio de se reinventar e recuperar passageiros antes da pandemia, enfrenta agora, o desafio adicional de sobreviver a uma grave crise financeira, causada pelo súbito desequilíbrio entre receita e custos, e o medo dos passageiros de voltarem ao sistema de transporte público”, ressalta o executivo.
Perante esta realidade, conversamos com exclusividade com Adalberto Maluf sobre a questão da modalidade elétrica no transporte coletivo por ônibus no Brasil. Afinal, este é um futuro próximo ou ainda distante?
Acompanhe!
Portal do Trânsito – Diante do atual cenário, qual é a perspectiva de implantar a eletromobilidade no transporte coletivo por ônibus no Brasil?
Adalberto Maluf – A crise pode ser uma oportunidade histórica para o setor se reinventar. Existem hoje no Brasil aproximadamente 1.800 empresas de ônibus e 107 mil veículos em circulação, em que, praticamente todos são ônibus a diesel altamente poluentes, barulhentos e nem sempre confortáveis. Então, chegou o momento de ousar. A eletromobilidade é a solução para reduzir os custos fixos das empresas de transportes, reduzir a poluição do ar e sonora nas cidades, e oferecer ao usuário opções mais modernas e seguras de transporte urbano, que assim poderiam atrair novamente os passageiros ao sistema. É preciso restaurar a confiança do usuário no transporte público e a eletromobilidade é o caminho.
Os ônibus elétricos já são uma realidade na Europa, Estados Unidos, China e em alguns países da América do Sul, como Chile e Colômbia. Já é uma tecnologia vencedora. É a hora de ela chegar ao Brasil. Os ônibus elétricos são mais caros no início, porém, têm um custo operacional muito menor, cerca de 20%, em dez anos de operação.
Portal do Trânsito – Neste aspecto, o que diz a lei (16.802/2018) – que trata sobre mudança da matriz energética dos ônibus da cidade São Paulo e qual a sua importância para a implementação da mobilidade elétrica no transporte coletivo no Brasil?
Adalberto Maluf – A Lei 16.802, sancionada em 2018 pelo então prefeito João Doria na cidade de São Paulo, é a mais avançada legislação ambiental do Brasil para o transporte público. É uma lei ao mesmo tempo rigorosa e realista. Ela fixa um prazo de dez anos para as empresas municipais reduzirem em até 50% as emissões de gás carbônico (CO²), material particulado (MP) e óxidos de nitrogênio (NOx) de suas frotas. E de 20 anos para praticamente zerar todas as emissões desses fatores altamente poluentes da atmosfera.
A grande novidade desta legislação é que ela não fixa qual é a tecnologia que as empresa de ônibus têm de adotar, e sim, quais são os poluentes que as frotas têm de eliminar da atmosfera, não importa com qual tecnologia. Portanto, admite diferentes tecnologias, desde que atinjam as metas ambientais. É uma lei muito importante, que pode ser uma referência para todo o Brasil e para a América Latina. Temos de lembrar que a cidade de São Paulo, com quase 15 mil ônibus, é a cidade com a maior frota de transporte público do Ocidente e a terceira do mundo – só perde para Pequim e Shenzhen, na China, que, aliás, já eletrificaram 100% de suas frotas.
Portal do Trânsito – Quais são as vantagens, os benefícios da implementação da mobilidade elétrica no transporte coletivo por ônibus para as cidades brasileiras?
Adalberto Maluf – A principal vantagem, sem dúvida, é a redução da poluição atmosférica. Só na cidade de São Paulo, cerca de 5 mil pessoas morrem anualmente por problemas de saúde decorrentes da poluição do ar. Estudos internacionais mostram que a mortalidade pela Covid-19 é três vezes maior em cidades poluídas. Além disso, a poluição impacta diretamente outras doenças, como problemas cardiorrespiratórios, cânceres e problemas de saúde em geral, segundo estudos do Instituto Saúde e Sustentabilidade de São Paulo.
De um ponto de vista econômico, a eletromobilidade no transporte público é também vantajosa para as empresas. A vida útil de um ônibus elétrico pode ser o dobro da de um ônibus a diesel. E a manutenção é muito mais barata – cerca de um terço do veículo convencional. O Custo Total de Propriedade (TCO) desses veículos é altamente favorável ao operador de transporte com os elétricos. Em sete anos, um ônibus elétrico já pagou o investimento inicial e tem pelo menos mais uma década de operação pela frente. Em 15 anos, a economia para o sistema pode chegar a 30% ou 40%. Os ônibus elétricos são, de fato, mais caros no início, porém, têm um custo operacional muito menor, cerca de 20%, em dez anos de operação.
Portal do Trânsito – Por outro lado, quais são os desafios?
Adalberto Maluf – Diria que o principal desafio é mudar a mentalidade dos operadores e gestores de transporte público no Brasil, que estão acostumados às tecnologias diesel e têm medo de inovar e tentar novas tecnologias. A eletromobilidade é uma tendência mundial que veio para ficar no transporte público. Entretanto, no Brasil ela ainda enfrenta resistência à mudança, em função do modelo de negócio e do modelo de remuneração dos operadores, que precisa ser atualizado.
Hoje, o modelo de cálculo de tarifas é baseado em custo, dividido por passageiro. Temos de sair desse paradigma e construir indicadores de desempenho e de produtividade. Temos de pagar a tarifa por performance e não por custos. Será preciso também pensar em novos modelos de negócio, trazer novos atores, novas modalidades de financiamento do setor e novos modelos de governança do transporte nas regiões metropolitanas.
Portal do Trânsito – Neste sentido, quais são as perspectivas de melhoria e tendências para o uso da eletromobilidade para o transporte público, pensando em melhorias para o trânsito, tanto como meio de transporte, quanto para a qualidade de vida dos usuários e para a preservação do meio ambiente?
Adalberto Maluf – A tendência à eletromobilidade é irresistível. Em 2020, 33% das vendas globais de ônibus já serão de veículos elétricos, segundo estudo da Bloomberg New Energy Finance. Em 2030, os elétricos serão 58% do mercado mundial. Essa tendência também chegará ao Brasil, mais cedo ou mais tarde. No curto prazo, é muito importante que a Lei 16.802 de São Paulo seja posta em prática o quanto antes, por seu efeito-demonstração para outras capitais.
Nós, da ABVE, estamos trabalhando fortemente nisso. Mas o fato é que muitas cidades brasileiras já apostam no transporte público elétrico. Posso citar São Paulo, Campinas, Brasília, Volta Redonda, Curitiba, Salvador, Bauru e Maringá. Embora os ônibus representem menos de 1% da frota total de veículos, eles chegam a representar um terço da emissão de poluentes. Além disso, têm um impacto significativo no ruído urbano. Portanto, reduzir a poluição e o ruído é importantíssimo para melhorar a qualidade de vida nas cidades. Não tenho dúvida de que este será um tema que os candidatos a prefeito levarão em conta na eleição deste ano.
Portal do Trânsito – Para finalizar, podemos entender que a mobilidade elétrica no transporte coletivo por ônibus no Brasil já é um futuro próximo ou ainda distante?
Adalberto Maluf – Estou otimista. Uma das saídas da crise causada pela Covid é exatamente a eletromobilidade no transporte público. Acho que ela chegará mais cedo do que se pensa. As empresas terão de se modernizar e oferecer melhores serviços aos usuários, com veículos menos poluentes, silenciosos, modernos e mais compatíveis com os atuais desafios da saúde pública. Tanto os políticos quanto as agências de financiamento, para não falar das próprias empresas, sabem que esse é um caminho sem volta. Além disso, já temos instalada no Brasil uma indústria completamente preparada para a eletromobilidade.
Temos empresas de ônibus elétricos, motores elétricos, baterias, carregadores elétricos, carrocerias e componentes. E temos uma matriz de eletricidade majoritariamente limpa e renovável, com participação crescente das usinas solares e eólicas. Enfim, o Brasil é um dos países mais capacitados do mundo para a eletromobilidade. A questão não é mais saber se essa tecnologia é eficiente ou economicamente viável. Isso já está comprovado. A questão agora é saber quando vamos colocá-la em prática no Brasil. Esse momento é agora!