Em termos de segurança viária não se pode servir a dois senhores
Artigo de Adriana Modesto trata de dois acontecimentos de grande relevância para a prevenção dos sinistros de trânsito no Brasil. Leia!
*Adriana Modesto
O cenário do trânsito brasileiro experimentará em 2021 dois acontecimentos de grande relevância para a prevenção dos sinistros de trânsito, assim como para o futuro cumprimento das metas estabelecidas para a Nova Década de Ações para a Segurança no Trânsito propostas pela Organização das Nações Unidas – ONU, sendo o Brasil um dos signatários.
O primeiro deles é a entrada em vigor das alterações do Código de Trânsito Brasileiro – CTB, prevista para 12 de abril.
O texto final contempla 57 alterações que vão desde a ampliação do número de pontos para a suspensão da CNH obedecendo escalonamento até a vedação de penas alternativas para condutores condenados por homicídio culposo ou lesão corporal sob efeito de álcool ou drogas.
O conjunto das alterações é inferido como heterogêneo tendo em vista os potenciais resultados à segurança viária de cada uma das alterações. Convém destacar haver consenso entre especialistas de que o conjunto das proposições que entrará em vigor nesse mês é tido como menos condescendente com infratores quando comparado ao texto original proposto pelo executivo federal, no entanto, segue sendo percebido como uma espécie de afrouxamento das atuais regras de trânsito.
Além da mencionada heterogeneidade, chama a atenção o fato do texto chancelado pelo legislativo, a casa do povo, ter prescindido robusta participação social e/ou sensibilidade às demandas em favor da paz no trânsito, além daquilo que a literatura relaciona como boas práticas em segurança viária e as recomendações de especialistas da área de trânsito.
O segundo alude à Resolução nº 740/2018 (CONTRAN) que criou o Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito – PNATRANS e que desde março vem sendo submetido a processo de revisão visando atualização e aprimoramento.
Distintamente ao contexto das alterações do CTB, a revisão do PNATRANS parece adotar dinâmica e contornos com consistente participação social ratificada pela diversidade de sujeitos envolvidos nos grupos de trabalho formalizados pelas Portarias nº 291, 292, 293, 302, 304 e 305 (DENATRAN) e que têm a missão de revisá-lo, possibilidade de contribuição popular a partir de tomada de subsídios, apresenta-se sensível às demandas da sociedade civil organizada, além de observar recomendações ofertadas por especialistas das áreas relacionadas ao trânsito.
Embora tratem de tema comum, infere-se que as discussões em torno das alterações do CTB e a revisão do PNATRANS foram (são) realizadas em arenas decisórias e com níveis de participação social distintos e no caso das alterações do CTB, decisões não necessariamente alicerçadas em parâmetros da segurança viária podem promover marcha à ré naquilo que o país avançou no referente à redução dos sinistros de trânsito, eventualmente também comprometendo resultados prospectados para as ações previstas na revisão do PNATRANS.
Diante do exposto o que se pretende evidenciar é que em termos de segurança viária não se pode servir a dois senhores e o fator preponderante no desenho da normatização de trânsito e ações governamentais deve ser a preservação da vida ainda que sob o risco de impopularidade junto a certos segmentos da sociedade.
*Adriana Modesto é sanitarista, mestre em Ciências da Saúde e doutora em Transportes pela Universidade de Brasília (UnB).