A mobilidade urbana invisível
O assunto que José Nachreiner Junior traz para a discussão não foi debatido pela maioria dos candidatos. Quem se preocupa com o tema da mobilidade urbana para os PCDs? Leia o post.
Agora que já ocorreram as eleições municipais e elegemos nossos representantes das câmaras legislativas e prefeituras, exercemos nosso direito ao voto e a escolha dos candidatos, os quais acreditamos que nos representarão e valorizarão os suados impostos que pagamos. No Brasil, 5.570 municípios estão espalhados por 26 estados federados mais o Distrito Federal.
Os municípios são circunscrições territoriais dotadas de personalidade jurídica e com certa autonomia administrativa para por a “mão na massa”, é o que todos esperamos cada vez que comparecemos às urnas. Dos 49 municípios com mais de 500 mil habitantes, 23 são capitais e o restante está distribuído nos municípios dos estados de São Paulo (oito), do Rio de Janeiro (seis), de Minas Gerais (três), do Espírito Santo (dois), Pernambuco, Bahia, Santa Catarina, Goiás, Paraná, Pará e Rio Grande do Sul (com um município, cada). Divulgados os resultados, os candidatos eleitos ou reeleitos tomam posse no dia primeiro de janeiro.
O Censo de 2010 apontou que 24% da população no Brasil têm algum tipo de deficiência, cerca de 45,6 milhões de pessoas.
O cálculo incluiu pessoas que descreveram alguma dificuldade em realizar atividades, como enxergar, ouvir, caminhar e subir degraus, e a maioria delas relatou alguma dificuldade visual.
Em 2018, o IBGE fez uma releitura desses dados utilizando critérios do chamado Grupo de Washington, formado por representantes e estatísticos das Nações Unidas. Segundo esse novo recorte – que considera apenas quem relata muita dificuldade ou incapacidade total para as mesmas atividades levantadas no Censo –, são 12,7 milhões de brasileiros com deficiência, 6,7% da população. A Pesquisa Nacional de Saúde de 2013 também estimou números similares: 12,4 milhões de pessoas com deficiência no Brasil.
Apesar de milhões de brasileiros serem classificados nas pesquisas como pessoas com deficiência, nas últimas eleições de 2018, apenas dois candidatos com deficiência foram eleitos: o deputado federal Felipe Rigoni (PSB-ES), deficiente visual, e a senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP), tetraplégica.
E agora? Como cobrar o poder público sobre as nossas mazelas diárias?
O fato é que candidatos apresentam propostas de governo que pretendem desenvolver e implantar no período em que ocupam as respectivas prefeituras, idem os vereadores. O assunto que trago hoje para a discussão não foi debatido pela maioria dos candidatos e talvez por muito, muito poucos, que se preocuparam com o tema da mobilidade urbana para os PCDs.
É fácil lembrar, vimos manifestações dos candidatos na TV e no Rádio, mas você se lembra de algum que mencionou que trabalhará para diminuir ou sanar as dificuldades da acessibilidade no transporte coletivo, nas calçadas, nas ruas? Que trabalhará para diminuir ou erradicar a falta de empatia dos pedestres e dos motoristas?
A vida difícil dos cadeirantes
Está lá, na Constituição de 1988, conforme o art. 5º, inciso XV que trata do direito de ir e vir, da liberdade de locomoção do indivíduo dentro e para fora do Brasil…Mas o que deveria ser uma garantia fundamental para qualquer pessoa, é um pesadelo para muitos portadores de deficiência, um enorme desafio para a sociedade que os transforma em seres invisíveis.
Assegurar a acessibilidade para cadeirantes tem sido um verdadeiro problema a ser enfrentado por todos os municípios brasileiros.
Calçadas estreitas, irregulares e obstruídas são os exemplos mais comuns encontrados em todos os municípios brasileiros, principalmente os que possuem mais de 500 mil habitantes, cuja probabilidade de abrigar pessoas PCDs é maior.
Sabemos que nas localidades mais nobres e centrais das cidades é possível encontrar rampas de acesso e espaço para a cadeira de rodas circular com tranquilidade, mas o cadeirante pode se deparar com poste, mobiliário urbano ou placa obstruindo a passagem no meio do percurso. Para que o cadeirante encontre acessibilidade de locomoção, as calçadas precisam estar niveladas e facilitar a movimentação. Ruas de paralelepípedos são um verdadeiro transtorno na vida de um cadeirante, devido a trepidação e corre-se o risco de ocasionar quebras no material e lesões na coluna do cadeirante.
Separei aqui três exemplos em fotos tiradas pelo smartphone e que são os mais notados nas cidades com mais de 500 mil habitantes:
A foto acima foi tirada em 10 de dezembro de 2020, em um bairro nobre da cidade de Curitiba. Observe a obstrução da calçada que o cadeirante teria pela frente ao tentar passar pelo local. Além disso não há espaço suficiente e todo o calçamento foi feito com material inadequado. O paralelepípedo, que pode provocar vibrações na cadeira do PCD e provocar lesões de coluna.
Uma barbaridade a céu aberto, um descuido imperdoável dos gestores e a infelicidade do cadeirante, que terá que interromper sua trajetória.
E para todos que observam a foto, a sensação de ver o mau uso do dinheiro público. Dinheiro que nós, contribuintes pagamos para o bem-estar da cidade.
Clássico exemplo de calçada de bairro. A foto tirada em 9 de dezembro de 2020, em um bairro de classe média da cidade de Curitiba. Ela exemplifica a dificuldade que o cadeirante tem de circular pelo próprio bairro onde mora. Onde está a rampa de acesso? Assim o cadeirante precisa contornar o problema e, certamente, vai arrumar mais problemas ao transitar na via pública: a segurança, a falta de empatia de pedestres e motoristas, que ao ver uma pessoa PCD trafegar por uma via, certamente, se sentirá na obrigação de alertar, só que com xingamentos.
Neste outro exemplo, em foto tirada dia 8 de dezembro de 2020, em um bairro de classe média de Curitiba, a calçada inexiste, fazendo com que o cadeirante seja obrigado a trafegar pela via pública. E assim sendo, corre o risco de atropelamentos, colisões e da falta de empatia de motoristas e pedestres. Um desastre.
Para o arquiteto e urbanista Gilmar Lima “não precisamos ter alguma deficiência, nem mobilidade reduzida, basta caminharmos pela cidade para notar ou “cair” num obstáculo e constatar que isso não é aprazível. Desde calçadas ocupadas por veículos estacionados irregularmente, barracas de ambulantes, equipamentos urbanos mal implantados, etc. Não existe acessibilidade em nossas calçadas e nos estabelecimentos comercias e públicos, raramente encontramos conformidade legal.”
Gilmar, destaca ainda que Curitiba tentou implantar políticas públicas voltadas a inclusão, mas, infelizmente, também sofre com a descontinuidade administrativa que, tal como ocorre na maioria das cidades brasileiras, também altera seus rumos a cada eleição.
“Curitiba tem baixíssimos índices de acessibilidade nas calçadas, principalmente nos bairros, com uso inadequado de materiais como é o caso das pedras petit-pavê e paralelepípedos tipo lousa. Não adianta gastar dinheiro público com glamour, é preciso investir o dinheiro público no que é necessário para a acessibilidade das pessoas PCDs”, conclui.
A indignação move montanhas
Se apenas 1% dos candidatos, segundo o TRE, se declararam portadores de algum tipo de deficiência, o problema também está na representatividade. Mas a sociedade organizada precisa valorizar cada voto empenhado nas urnas. Uma sociedade que goza dos seus direitos democráticos, não pode esquecer que quando o candidato é eleito ele precisa cumprir com suas obrigações de representante dos cidadãos que o elegeram, pois seus vencimentos são pagos diretamente com os impostos arrecadados. E pagos com o suor dos cidadãos que desejam ver mais que mudanças: a efetivação e implantação dos projetos prometidos para o bem-estar.
As fotos ilustram o descaso do poder público. São pequenos exemplos da falta do planejamento da mobilidade urbana, que está presente em praticamente todos os municípios brasileiros. Os(as) senhores(as) eleitos(as) pelo povo, prefeitos(as) e vereadores(as) têm a obrigação de olhar para o bairro, para a cidade que o(a) elegeu e dar conta do recado.