Tempo de advertência
Álvaro J. Pedroso faz um quadro comparativo entre a pandemia causada pela Covid-19 e as mortes no trânsito. Leia!
Alvorece o ano de 2021 e o ano da pandemia pelo COVID-19, 2020, parece ter continuidade. Nesta senda, em nossa área de estudo, é inevitável a comparação entre a mortalidade causada pelo vírus COVID-19 e os acidentes de trânsito no Brasil. Nestes 12 meses de pandemia, lamentavelmente, de um lado, já ultrapassamos a marca de 240 mil mortos, por um vírus detectável somente via microscópio eletrônico e ciência avançada, ou seja, invisível a olho nu.
De outro lado, nos últimos 10 anos, o trânsito já matou aproximadamente meio milhão de pessoas, segundo as indenizações pagas pelo DPVAT – seguro qual, importante destacar, possui grande relevância social. Além das vidas ceifadas, a quantidade de pessoas acometidas por invalidez temporária ou definitiva, após acidentes de trânsito, é ainda mais assustadora, em média, mais de 300 mil pessoas por ano.
Não se trata de minimizar as nefastas consequências da pandemia causada pelo COVID-19, eis que indiscutível a devastação ocasionada, e ainda mal se sabe o que esperar desta situação sem desfecho, mas tão somente utiliza-la como parâmetro para melhor elucidar a questão do trânsito.
Ainda, note-se mais um comparativo pandemia versus trânsito, pois quando falamos do vírus, que, repita-se, é invisível para o ser humano, tem solução, através da ciência, apesar dos maus políticos, e a pandemia será finita, eis que a vacina já está sendo colocada à disposição gradativamente, restando ainda superar os entraves logísticos.
Enquanto o “vírus” do trânsito, que é bem visível, continua matando e aleijando as pessoas, pelos motivos já bem conhecidos, que não causam surpresa, senão vejamos: o comportamento inadequado do cidadão e a inoperância dos gestores. Temas quais, temos destacado e debatido com frequência, em meus artigos, aulas e palestras. A nova década de ações para segurança já se iniciou, mas uma já se foi e, para nós brasileiros, infelizmente foi perdida.
Inumeráveis alterações no CTB foram feitas pelos legisladores, ainda carregadas de meros “achismos” e suposições infundadas tecnicamente. Temos que diversas das resoluções do CONTRAN e das alterações no CTB são extremamente controversas, vejamos a título exemplificativo: a) a lei que aumentará o número de pontos visando retardar a suspensão do condutor infrator, inclusive, com tratamento diferenciado entre condutores comuns e os que exercem atividade remunerada; b) em dado momento colocam-se radares, em outro tiram-se os radares; c) ora ocultam-se os radares, ora põe-se os radares a mostra, d) ora determina treinamento de novos condutores com simulador, ora tira o simulador.
Contudo, na realidade as infrações perigosas ocorrem o tempo todo e a fiscalização precisa valer-se da tecnologia e operações ostensivas para atingir o objetivo de preservar vidas, caso contrário quaisquer medidas serão inócuas.
Será que agora nesta nova década, a ONU, com seu novo programa de redução de mortes no trânsito, vai resolver o nosso problema? Ou cada cidade tem o dever de adotar medidas mais adequadas ao seu contexto fático, através de seus gestores e à luz do CTB? As regras são claras, basta cumpri-las!
Diversas vezes, já comentamos aqui, que atividades perigosas e irresponsáveis de condutores e pedestres devem sofrer intervenção imediata: por exemplo, detectado excesso de velocidade, o condutor deverá ser abordado no ato, seja na rodovia ou nas vias urbanas, para sentir de perto a fiscalização, e de fato impedir-se acidentes. A impunidade é ensejadora de mais e mais infrações e acidentes.
Em Curitiba, no momento, está ocorrendo algo interessante: em algumas vias está sendo alterada a regulamentação de velocidade máxima permitida em menos 10 km/h, 60 para 50, por exemplo. Sinceramente, será possível vislumbrar que este tipo de mudança de regulamentação, irá melhorar a segurança do trânsito? É visível em muitas vias condutores ignorando a sinalização e excedendo a velocidade, enquanto justifica-se que o radar flagra este infrator, porém o radar por si só não manda parar os veículos que seguem com grande risco de causar atropelamentos e colisões. Logo, repito, não basta a notificação posterior, é preciso intervir no comportamento do condutor imprudente, interromper-lhe o curso, chamar-lhe a atenção, claro considerando-se os trâmites legais. Os gestores de trânsito tem que parar de simplesmente trabalhar para mostrar para a ONU que estão fazendo alguma coisa, precisam fazer alguma coisa de fato, agir pra valer com muita ação operacional.
Ainda ontem, a Tribuna do Paraná publicou interessante estatística, referente a infrações de trânsito em Curitiba, o que sem dúvida comprova um número elevado de irregularidades no trânsito.
Ora, alguma coisa tem que ser feita:
- É preciso preparar melhor os agentes de trânsito, como orientadores de mobilidade, fiscalização e também corpo a corpo com diálogo, respeito e cidadania;
- É preciso inserir a educação de trânsito na grade curricular do ensino médio em caráter obrigatório, e não a deixar apenas como opcional, como já foi proposto, mas ainda assim ninguém assimilou a ideia;
- A engenharia de trânsito deve se atualizar e agir mais rápido em seus processos de desenvolvimento da infraestrutura, afinal já dispomos do máximo em tecnologia de mobilidade, a exemplo de países nos quais o trânsito é mais fluido e seguro;
Vale lembrar que vem por aí a revisão dos contratos de pedágio: nas quais é salutar que nos futuros contratos, conste o limite de capacidade de veículos que pode ser absorvido por hora nas rodovias – se todos os locais com presença de público usuário tem limites de capacidade, estádios de futebol, shopping centers, teatros, casas de shows, assim tem que ser previsto para as rodovias também.
Os limites de quantidade de veículos por hora em rodovias e respeitada a fluidez, devem ser previstos em contrato e auditados, pois o cidadão não pode ingressar no trecho rodoviário pedagiado e ficar parado por horas devido a lentidão do tráfego. Se assim ocorrer, a rodovia deverá ser ampliada em largura ou elevação. Excesso de veículos na rodovia eleva sobremaneira o risco de acidentes.
Notemos ainda algo também assolador. Nos dias atuais, não podemos demorar mais de 13 anos para concluir uma obra linear como a da Linha Verde de Curitiba. A história nos mostra que o maior anfiteatro do mundo, conhecido como Coliseu de Roma, reconhecido pela amplitude e qualidade da obra, foi construída entre 68-79 d.C. e foi utilizado durante 5 séculos. Também assim, Quéops, a grande pirâmide do Egito, construída em 2.560 a.C., considerada a maior e mais pesada obra edificada pelos homens levou pouco mais de uma década para sua execução. Será que 4 milênios depois nossos processos não foram aprimorados? Parece que a inteligência governamental não está caminhando junto com os interesses coletivos.
Afinal, é necessário melhorar significativamente a logística do trânsito para alcançarmos uma mobilidade segura e eficiente, melhorando a sinalização de regulamentação e com mais ênfase às sinalizações de advertência.
Hoje temos o GPS, para nossa orientação e localização, mas não podemos esquecer que a sinalização física de orientação, destino e localização são essenciais para todos os usuários do trânsito, é o caso de placas com o nome das vias, que comumente encontram-se abandonadas ou inexistentes.
O que não pode ser esquecido em hipótese alguma, é que a mobilidade segura deve contemplar todos os usuários do trânsito: pedestres, ciclistas e veículos motorizados. Assim, se o espaço físico de cada um estiver disponível e a educação for privilegiada teremos avanço na segurança do trânsito construindo finalmente um ambiente civilizado.