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22 de dezembro de 2024

Vem aí o Bolsa-habilitação?


Por Márcia Pontes Publicado 21/02/2014 às 03h00 Atualizado 02/11/2022 às 20h39
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Bolsa-habilitação no Brasil

Depois do Bolsa-Família, Bolsa-Escola e Bolsa-Alimentação, será que vem aí o Bolsa-Habilitação? Não são poucos os governos que implantaram o programa CNH Social com a justificativa de baratear os custos e até eliminá-los para que parcelas específicas da população possam ter acesso facilitado à Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e assim entrarem para o mercado de trabalho com geração de emprego e renda.

A mais nova é que o SEST SENAT anunciou que vai garantir a primeira habilitação na categoria B a 50 mil jovens de baixa renda entre 18 e 25 anos com a justificativa de que é preciso gerar mão-de-obra para tentar suprir a falta de profissionais no mercado de trabalho no setor de transporte, onde sobram vagas e faltam candidatos qualificados. A meta é formar 69,9 mil novos condutores por ano a custo zero para os beneficiários.

Longe de entrar na discussão sobre assistencialismo, clientelismo e paternalismo, ainda mais em ano eleitoral, adianto que não sou contra a inclusão ou gerar mais empregos. Apenas convido a refletir no contexto sobre as consequências da distribuição de CNH em massa num país que incentiva cada vez mais carros e motoristas nas ruas sem oferecer malhas viárias decentes e os acidentes matam e ferem mais que as guerras no mundo.

No Brasil as vias públicas estão se transformando em campos de extermínio, a imperícia lidera as estatísticas e a faixa etária que mais mata e morre em acidentes de trânsito é justamente essa beneficiária do projeto nacional que pretende colocar nas ruas algo em torno de 70 mil novos motoristas por ano e vão obter a CNH de graça.

Muitos não aderirão ao projeto como uma possibilidade de emprego, mas para não pagarem o que cobram as autoescolas por uma formação prevista em lei. Por mais que o cidadão assine um contrato se comprometendo a trabalhar no setor de transporte, quem garante que vai ter emprego para todos ou que esse motorista vai ficar no emprego? Porquê os motoristas já habilitados e experientes não querem trabalhar no setor?

Será que os donos de transportadoras contratarão motoristas recém formados, só com o diploma nas mãos, sem experiência, sem perícia, sem prática e sem habilidade para dirigir caminhão pesado, trucado, bitrem, treminhão, rodotrem e outros que precisam de cursos de formação específica para o condutor que até então eram ministrados só pelas autoescolas e formadores de profissionais para os CFC?

No país em que os acidentes por imperícia lideram as estatísticas de mortos e feridos um dos maiores problemas enfrentados nas cidades são os congestionamentos, a falta de fluidez, o trânsito parado, o transporte público sem qualidade e tantos outros fatores complicadores para a mobilidade humana segura. Incentivar CNH de graça ou como parte de outros programas não vai piorar as coisas?

Some-se às vias mal sinalizadas e mal projetadas que resultam em mais acidentes um processo de formação de condutores cada vez mais capenga e ultrapassado que passa por um momento de discussão histórica como nunca se viu antes. Sem esquecer as dificuldades para a formação de novos motoristas em que muitos que completam o processo na autoescola não conseguem ser aprovados nos testes práticos do Detran.

Alguém já parou para pensar que essas variáveis também poderiam explicar a falta de profissionais no setor de transporte? Há cidades em que temos mais motoristas habilitados do que veículos e ainda assim sobram vagas no mercado. Será que o problema está mesmo nas dificuldades para pagar o processo de habilitação?

Para piorar, parece que existe uma tendência generalizada a supervalorização da carteira de motorista para a qual se dá a mesma importância da carteira de identidade ou da certidão de nascimento.

CNH não é sonho, não é direito adquirido. Trata-se de uma concessão do Estado dada a quem comprove por todos os meios legais exigidos – e isso inclui iniciar o processo na autoescola, ser aprovado nos exames – que tem condições de dirigir com segurança. Na prática e na política deveriam entender assim.

Fica aqui o alerta, o convite para pensar, até porque não é uma instituição que por mais credibilidade e boa intenção que tenha que vai garantir a carteira de motorista para alguém. Nem os CFC’s, os legítimos formadores de condutores no país, garantem isso.

Não basta ter 18 anos para garantir a CNH: tem que comprovar pelos devidos meios legais, testes e avaliações que o candidato é imputável perante a lei. O candidato é que tem que se garantir sozinho nos testes para que no dia a dia consiga garantir a sua própria segurança e a dos outros no trânsito.

Olho com reservas este tipo de iniciativa que transita numa linha tênue entre o populismo e o incentivo a se colocar mais motoristas e mais carros nas ruas mesmo que seja com a justificativa de gerar mais empregos. Chegaram a dizer que se não adiassem a obrigatoriedade de air bags e freios ABS para os carros novos ia ter montadora fechando e não fecharam. Aliás, estão vendendo como sempre!

Se o momento é de se incentivar alguma coisa, que se incentive um estudo para conhecer as causas da evasão dos motoristas no setor de transportes, pois sem conhecê-las a fundo corremos o risco de querer tapar o sol com a peneira.

Que se incentive a formação permanente de quem já é do ramo e a mobilidade sustentável, pois mesmo pagando pela CNH vai chegar uma hora que não vai ter mais espaço nas ruas para os carros e para as pessoas. Imaginem se a moda pega e lançam o Bolsa-Habilitação!

Ou será que já lançaram com outros nomes?

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