A vida por um fio
Você sabe de onde vem a expressão “vida por um fio”?
A origem dessa expressão deriva da mitologia grega, da qual surgiu a história sobre as Moiras, que eram três irmãs e deusas primordiais, chamadas Cloto, Lachesis e Atropos, que determinavam o destino dos demais deuses e também dos homens por meio da tecelagem de um fio, o qual representaria o curso da vida.
Cloto era quem dava início ao fio da vida, era a deusa dos nascimentos e dos partos. Lachesis puxava e enrolava o fio da vida na Roda da Fortuna. A ideia da roda era representar os ciclos de bonança e desaventurança, os altos e baixos que todos vivenciamos ao longo de nossa existência.
Quando começamos a andar de moto, é como se fossemos ungidos pelo tear de Cloto, temos uma longa estrada por percorrer, sem saber exatamente aonde essa estrada vai nos levar. A expectativa é a melhor possível;
A partir daí, Lachesis nos faz percorrer estradas, nos proporcionando paisagens deslumbrantes, nos integrando ao meio ambiente com suas variações de temperatura, umidade, luz e odores, mas também nos faz viver perigos. Ao fiar nossa vida pela Roda da Fortuna, Lachesis ora nos fará sorrir, ora nos fará chorar, sofrer ou penar, mas isso é viver.
Até que um dia Atropos, aquela que ninguém consegue aplacar, decidirá o fim de nossa vida com o corte de nosso fio. Uma metáfora para nos lembrarmos de quão frágil é a manutenção de nossa existência.
As moiras eram a personificação do destino. A representação de que a nossa vida já estava determinada ou que seu encaminhamento estava fora do nosso total controle. Numa aproximação contemporânea e popular para facilitar o entendimento, algo mais ou menos como o “deixa a vida me levar (vida leva eu)” de Zeca Pagodinho.
Mas o nosso destino já está traçado ou podemos fazer uso do livre arbítrio para criar nossa própria história?
Santo Agostinho escreveu uma obra intitulada “Livre Arbítrio” na qual exprime como definição que “o livre arbítrio é a possibilidade de escolher entre o bem e o mal, enquanto liberdade é o bom uso do livre arbítrio”.
Já Aristóteles defendia que o caminho correto é aquele que alcança um meio termo feliz, nem pelo excesso, nem pela falta. Dizia Aristóteles que “o homem que tudo teme é um covarde, mas o homem que nada teme é precipitado”.
Atualmente, poderíamos relacionar tais conclusões com o trânsito na medida em que, se tudo der certo, aquela velocidade alucinante, aquela ultrapassagem arriscada ou aquela raspada da pedaleira na curva que fazemos com uma moto podem proporcionar o doce sabor da adrenalina, a sensação de vitória e do poder, fazer explodir o êxtase de liberdade, mas, se qualquer coisa sair errado, o arrependimento, a tristeza para os entes queridos e a alcunha de idiota será o resultado da imprudência. Dizem que um herói é um idiota que deu certo e que um idiota é um herói que deu errado.
Então será que vale mesmo a pena arriscar tanto por tão pouco, apenas alguns efêmeros momentos de auto-satisfação?
A beleza do livre arbítrio é essa, pois alguns poderão achar que sim, viver é correr riscos como se não houvesse amanhã, mas, novamente tornando aos ensinamentos de Santo Agostinho, podemos melhor perceber que o tempo presente que vivemos é um triplo presente concedido por Deus porque é um presente do passado na medida em que nos proporciona memórias, lembranças, uma história e uma preparação para o presente do presente que é este exato momento que vivenciamos em que tudo acontece e que nos tentar prever o presente do futuro, que é o quê nos enche de esperança, expectativa, enfim, de energia para continuar existindo.
No comando de um veículo, moto, carro ou bicicleta, temos a falsa impressão de estarmos controlando o nosso destino em ato simultâneo de controlar o nosso deslocamento até nosso ponto de chegada previsto, mas, por imprudência ou negligência, podemos por tudo a perder, para nós e para terceiros, se não compreendermos de forma peremptória que uma via é um ambiente de interação pública, apenas uma parte de um passeio seguro e prazeroso ou de um trajeto cotidiano, apenas um meio, não um fim em si mesmo.