Análise da possibilidade de individualizar a pontuação por infração de trânsito ao real infrator
Este artigo tem como objetivo fomentar a aplicação da penalidade acessória de pontuação por infração de trânsito no contexto da legislação brasileira.
A busca está no sentido da possibilidade da individualização da penalidade acessória, e aplicá-la ao real infrator, tendo por base o verbo utilizado pelo legislador, para cada tipo infracional, apontando assim o responsável pelo cometimento da infração de trânsito. Em nossa legislação está previsto que ao proprietário caberá sempre a responsabilidade pelo pagamento da infração, neste sentido, queremos apontar a responsabilidade que deve ter o condutor, com a segurança do trânsito, além daquelas que estão devidamente previstas em lei, ou seja, antes de colocar o veículo em movimento, deve o condutor se certificar de que o mesmo esteja de acordo com as exigências legais, pois ao colocá-lo em movimento deverá se atentar também a estas exigências.
Apesar da legislação não fazer esta previsão, de atribuir à responsabilidade aos condutores certas penalidades, todavia, diante do alto índice de irregularidades constatadas diariamente em nossas estradas, acabam por contribuir pela (in)segurança no trânsito.
Sendo assim, temos como propósitos analisar o cumprimento dos princípios constitucionais da Legalidade, da Individualização da Pena, segundo o qual a punição não pode passar da pessoa do infrator (art. 5º, inciso XLV, CF/88), e as implicações do art. 257 do CTB, para podermos entender e rever o real sentido da penalidade acessória de pontos na CNH do real infrator.
Cumpre-nos destacar que não se está aqui a proclamar a inconstitucionalidade das disposições do Código de Trânsito Brasileiro, o que exigiria, para os tribunais, a incidência dos procedimentos garantidores do princípio da reserva de plenário a que se referem o art. 97 da CF/88: “Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.”
O que se pretende é fazer prevalecer a Constituição no que diz respeito às garantias constitucionais, fazendo a exegese dos dispositivos legais, mas se assim não for atendido, outro não poderá ser o remédio para fazer cessar tal afronto a CF/88.
A polêmica está no fato de a tabela de enquadramentos e codificação de multas constante na portaria do Denatran n.º 59 de 2007, alterada pela portaria n.º 276/2012, que atribui ao proprietário do veículo a responsabilidade por condutas que, considerando a ação correspondente ao verbo utilizado para tipificar o ilícito, deveriam recair sobre o próprio condutor.
Os que defendem o entendimento oriundo do órgão máximo executivo de trânsito da União (Denatran), quando da distribuição de responsabilidades, justificam que estão em sintonia com os ditames do art. 257, § 2º, do CTB, sendo que ao proprietário caberá sempre a responsabilidade pela infração referente à prévia regularização e preenchimento das formalidades e condições exigidas para o trânsito do veículo na via terrestre, conservação e inalterabilidade de suas características, componentes, agregados, habilitação legal e compatível de seus condutores, quando esta for exigida, e outras disposições que deva observar.
Neste sentido, considera-se irrelevante se o proprietário está, ou não, na condução do seu veículo para que seja responsabilizado pelas infrações que tem relação com as hipóteses aventadas no mencionado, já que, o legislador determinou que nesses casos em que à responsabilidade é sempre sua, ou seja, do proprietário.
Ao se flagrar um veículo transitando em via pública sem o devido registro ou licenciamento; em mau estado de conservação; sem equipamento obrigatório, por exemplo, será irrelevante para a aplicação da penalidade, quem esteja ao volante, pois será o proprietário que deverá responder pela irregularidade, tendo em vista que a lei confere a ele a obrigação de zelar pela manutenção do seu veículo, para que ele esteja sempre em condições para transitar em via pública conforme prevê o CTB e as resoluções pertinentes.
Caso não venha a cumprir com essa obrigação legal, ao proprietário do veículo caberá sempre a responsabilização por qualquer irregularidade, pois de acordo com os defensores deste entendimento, ao proprietário cabe sempre o dever de vigilância que lhe é obrigatória – culpa in vigilando, a fim de evitar que pessoas, habilitadas ou não, dele se apoderem e saiam a dirigi-lo quando o mesmo não satisfaz as exigências legais para tanto.
Dada a devida vênia, este artigo vem se colocar sob outra ótica. Sob a égide da Constituição, e em respeito ao princípio da legalidade e suas implicações, as normas legais impositivas de sanção ou limitadoras de direito devem ser interpretadas de maneira restritiva.
Ora, se é consenso que a lei, quando possui caráter punitivo, não pode ter seu conteúdo ampliado, como se pode sustentar que uma pessoa venha a ser punida por uma infração cujo núcleo verbal seja “conduzir” um veículo sem que ela esteja efetivamente praticando tal ação? Tecnicamente falando, pautado na Teoria Restritiva adotada pelo sistema jurídico pátrio, deve ser considerado autor da infração aquele que realiza o verbo núcleo do tipo.
Se o legislador pátrio quisesse responsabilizar o proprietário do veículo pelas infrações cujo tipo remete a ações praticadas diretamente pelo condutor, o faria de forma expressa, consoante obrou nos artigos 163, 164 e 166 do CTB. Caso contrário, é temerário culpar o proprietário por uma ação praticada por terceiros, lembrando que isso implicaria em violação ao princípio constitucional da individualização da pena, segundo o qual a punição não pode passar da pessoa do infrator (art. 5º, inciso XLV, CF/88).
Cabe destacar que a responsabilização a que se refere este trabalho diz respeito à pontuação para efeito de aplicação da penalidade de suspensão do direito de dirigir, levando em consideração que a penalidade de multa, tal como tratada pelo §3º do art. 282 do CTB c/c a Resolução/CONTRAN nº 108/99, constitui um ônus de natureza real, assumindo as feições de uma verdadeira obrigação propter rem, consoante já assentou na legislação em vigor.
Importante lembrar que tudo que aqui se pontuou está sob o amparo da legislação brasileira, da doutrina e de pareceres que ao aplicar a penalidade acessória de suspensão do direito de dirigir, esta deve ser de caráter personalíssimo, apesar da já citada portaria do Denatran tratar de forma equivocada.
Para tanto, deve-se socorrer ao Congresso Nacional, através dos nossos representantes políticos, para que se faça a devida reparação do CTB, corrigindo o art. 257 §2º, para que conseqüentemente a portaria n.º 59/2007 do Denatran, possa ser também corrigida, para que efetivamente seja atribuída e na justa medida cada responsabilidade oriunda do ilícito praticado no trânsito.
Caso assim não se tenha sucesso, outro não pode ser se não o STF, guardião da nossa Constituição, para que seja declarada a inconstitucionalidade do referido artigo do CTB, respeitado o trâmite legal, ou seja, o que preconiza a Constituição Federal, em seu artigo 102, I, a. e a Lei 9868/99, que trata do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, em seus artigos 169 a 178.
Por fim, espera-se ter demonstrado que mesmo na esfera administrativa, mormente, em matéria de trânsito, a aplicação de qualquer penalidade deve ser aplicada ao real infrator, garantindo aos envolvidos as garantias inerentes ao Estado Democrático de Direito.