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Psicólogas/os defendem ampliação da avaliação psicológica de motoristas


Por Juliel Modesto de Araujo Publicado 11/09/2017 às 03h00 Atualizado 02/11/2022 às 20h17
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A avaliação psicológica pericial de motoristas pode ser entendida como um instrumento que serve a um modelo de saúde que se propõe a diagnosticar as condições mínimas de funcionamento de processos psicológicos básicos envolvidos no ato de dirigir (atenção, percepção, memória, raciocínio, impulsividade, emotividade, agressividade) e que também constitui um momento de análise interventiva das condições psicossociais que podem envolver o motorista em situações de risco (como dirigir em estado alterado de humor/consciência, provocado por ingestão de substâncias psicoativas ou pela vivência de situações estressoras).

Atualmente vem sendo amplamente discutida[1] a utilização de outro instrumento como recurso para contribuir com a segurança viária e que tem se mostrado contrário ao modelo de atenção à saúde defendido pela psicologia: o exame toxicológico.

Esse exame surgiu em novembro 2013 com a Resolução CONTRAN 460 e pretendia realizar detecção de consumo de substâncias psicoativas nos motoristas que realizassem a adição ou renovação da habilitação nas categorias C, D e E.

Constituía-se, portanto, mais uma estratégica de enfrentamento e combate ao uso de drogas do que um modelo de atenção à saúde que permitisse a identificação dos fatores determinantes do comportamento de risco (dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência) e o integral atendimento à pessoa nessas condições.

À mesma época (e desde junho de 2012 com a Resolução CONTRAN 405) discutia-se também o tempo de direção do motorista profissional, o que – após alterações de procedimentos para o exame toxicológico que o sustentassem como modelo de atenção à saúde – passou a ser matéria tratada juntamente com o exame toxicológico pela Lei 13.103 de março de 2015 que alterou o Código de Trânsito Brasileiro. Certamente por isso o exame toxicológico tem sido exigido apenas para os motoristas das categorias C, D e E – já que estes são aqueles em condições de maior vulnerabilidade de trabalho que os expõem, inclusive, a situações de uso de substâncias psicoativas.

Após meses de discussões para estender o exame toxicológico para motoristas que exercem atividade remunerada nas categorias A e B, no início de setembro a Comissão de Viação e Transportes da Câmara dos Deputados aprovou proposta que inclui o exame toxicológico entre os pré-requisitos exigidos para o candidato à primeira habilitação nas categorias A (moto) ou B (carro).

Enquanto isso o texto provisório do PL 8085/2014 propõe uma clara substituição da Avaliação Psicológica Pericial de Motoristas pela utilização do exame toxicológico, prescrevendo no artigo 162 que o exame de aptidão física e mental incluirá avaliação psicológica preliminar e complementar sempre que a ele se submeter o condutor que exerce atividade remunerada ao veículo, incluindo-se esta avaliação para os demais candidatos que tiveram suspenso o direito de dirigir no período de validade da carteira de habilitação anterior ou que se envolveram em acidente com vítima nesse mesmo período”.

Na mesma direção caminha o texto da nova Resolução sobre formação de condutores que o DENATRAN colocou sob consulta pública, reafirmando as contradições acerca dos recursos necessários para a atenção à saúde do motorista (que também contribuem com a segurança viária) e colocando a psicologia como ciência e profissão subsidiária à área médica.

Mas nem tudo está perdido.

O Projeto de Lei 98/2015 de autoria do Senador Davi Alcolumbre propõe que todos os motoristas sejam submetidos à avaliação psicológica quando da renovação da Carteira Nacional de Habilitação, independente de exercerem atividade remunerada ao veículo.

É preciso que as/os especialistas da área da saúde que atuam no contexto do trânsito e da mobilidade urbana possam fazer uma séria crítica ao exame toxicológico previsto na Lei Federal 13.013/2015 (que, para regulamentar a profissão de motorista, alterou a Consolidação das Leis do Trabalho e o Código de Trânsito Brasileiro) e registra como precedente a Resolução CONTRAN 425/2012 (alterada pelas Resoluções 460/2013, 517 e 529/2015 e atualmente regulamentada pela 583/2016).

Vale destacar que o XIII Plenário do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo publicou em 2012 referências para a atuação profissional do (a) psicólogo (a) sobre o tema Álcool e Outras Drogas com o objetivo de aprofundar discussões sobre visões e modelos de atenção à saúde no que se refere à temática que tem mobilizado a opinião pública. “Estas referências buscam romper com estereótipos, preconceitos, simplificações e maniqueísmos. Com isso, o CRP SP pretende firmar cada vez mais o protagonismo e a contribuição social da Psicologia, como ciência e profissão.”

A publicação Álcool e Outras Drogas destaca que “É preciso desconstruir mitos e abrir espaço para reflexões que procurem ir à raiz da questão, descortinando os interesses em jogo e analisando criticamente a efetividade dos modelos vigentes” e nesse sentido a atuação da/o Psicóloga/o do Trânsito deve estar orientada, em especial, pelos princípios da universalização do acesso às políticas públicas e da integralidade no atendimento do usuário do serviço de saúde.

Das principais discussões a que a Psicologia deve estar atenta no tocante à exigência do exame toxicológico de larga janela de detecção para motoristas destacam-se:

– a exigência do exame toxicológico para categorias de motoristas (“C”, “D” ou “E”) é medida que não alcança o objetivo (que se pretendia com a norma) de tratamento diferenciado aos motoristas profissionais, já que é possível ser taxista (categoria “B”) e motofretista (categoria “A”) sem ser submetido ao referido exame. Estudiosos do tema têm apontado – na perspectiva da judicialização da conduta – que o correto seria exigir o exame toxicológico para motoristas que exercem atividade remunerada, independente da categoria.

– em atendimento ao princípio da isonomia, ainda na perspectiva da punição pela supressão de direito, estudiosos do tema apontam que o exame toxicológico deveria ser requisito para obtenção e renovação da Carteira Nacional de Habilitação em qualquer categoria, independente de exercer atividade remunerada. Nesse sentido já tramita na Câmara dos Deputados os Projetos de Lei 2.823/11; 6992/13; e 394/15; com o objetivo de alterar o artigo 147 do Código de Trânsito Brasileiro (o que poderá impactar também na atividade de avaliação psicológica de motoristas).

– análises toxicológicas para detecção de substâncias psicoativas que alteram o desempenho de motoristas têm sido utilizadas, em vários países, somente como medida complementar nos casos em que há indício de sinais ou sintomas incompatíveis com o ato de dirigir. Não seria admissível, portanto, mesmo que sob a alegação de medida de prevenção para segurança viária, constranger o cidadão a fazer prova de que não é usuário de substância psicoativa onerando-o, inclusive, para isso.

– a Nota Técnica 02/2007 da Câmara Temática de Saúde e Meio Ambiente do Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN – indicou, na época em que o Projeto de Lei do Senado 182/07 estava em discussão, ser desnecessária e imprópria a exigência de exame toxicológico.

– o uso de substância psicoativa poderia ser proibido nos casos em que sua ação sobre as funções psicomotoras pudesse colocar em risco imediato o uso de veículo automotor em via pública.

– qualquer medida que identificasse o uso de substância psicoativa que coloque em risco imediato o uso de veículo automotor em via pública deveria ser acompanhada de medida de apoio ao usuário de álcool ou outras drogas na perspectiva da redução de danos (tais como cuidados clínicos, suportes sociais e psicoterapia).

Importante ainda dizer que políticas como essa proposta pelo exame toxicológico são geradoras de exclusão na medida em que identificam o problema e não realizam atendimento integral para solucioná-lo, não oferecendo recursos para que o indivíduo supere o problema e deixando o cidadão às margens do mundo do trabalho, haja vista que a não concessão/renovação da CNH implica em prejuízos ao exercício profissional do motorista.

Configura-se oportuno um posicionamento ético-político sobre a questão apresentada, considerando que a perspectiva que se tem construído sobre a conduta de dirigir veículo automotor sob influência de álcool ou outras drogas tem deixado de contemplar os fatores condicionantes e determinantes desse tipo de comportamento e consequentemente tem orientado ações de repressão sobre a conduta individual na esperança de que o triste cenário de acidentes de trânsito possa ser modificado.

A psicologia como ciência e profissão, deve propor a ampliação da avaliação psicológica pericial de motoristas fazendo a defesa de que esse modelo de atenção à saúde seja – como o exame de aptidão física e mental – também preliminar e renovável a cada cinco anos ou a cada três anos para condutores com mais de sessenta e cinco anos de idade, sendo complementar nos casos em que o motorista estiver nas condições em que deve ser submetido a curso de reciclagem[2].

[1] As discussões sobre exame toxicológico estão presentes:

– na comissão especial da câmara dos deputados que discute o novo Código de Trânsito Brasileiro através do PL 8085/2014

– no PLS 98/2015 que tramita no Senado Federal

– na consulta pública do DENATRAN sobre a nova resolução de formação de condutores

– na comissão de viação e transportes da câmara dos deputados

 

[2] Art. 287 (no texto provisório do novo CTB, ou 268 no CTB em vigor) O infrator será submetido a curso de reciclagem, na forma estabelecida pelo Contran:

I – quando, sendo contumaz, for necessário à sua reeducação;

II – quando suspenso do direito de dirigir;

III – quando se envolver em acidente grave para o qual haja contribuído, independentemente de processo judicial;

IV – quando condenado judicialmente por delito de trânsito;

V – a qualquer tempo, se for constatado que o condutor está colocando em risco a segurança do trânsito;

VI – em outras situações a serem definidas pelo Contran

 

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