Artigo: O Idoso e a Mobilidade Urbana
*Luciana Farias Pereira
Falar sobre mobilidade urbana significa estar atento a várias situações no espaço público que impactam diretamente a vida das pessoas. E quando nos referimos às pessoas, queremos dizer que não há perfil de usuário do espaço coletivo que fique de fora deste cenário. Desde os bebês, que ainda no ventre de suas mães circulam pelas ruas e avenidas, até os mais idosos e experientes pedestres. E o aspecto a que pretendo me deter é sobre esse último perfil: o idoso, inserido ou não na mobilidade urbana.
Quando você conversa com uma pessoa idosa e faz alguns questionamentos a respeito da sua conduta nas ruas ela automaticamente terá a mesma atitude dos demais: dirá que é uma pessoa que respeita o trânsito e que se cuida muito, pois já aprendeu bastante na escola da vida. Entretanto, quando você se despede desse mesmo idoso e fica observando ele(a) tomando o seu destino, logo verá que na primeira esquina, na tentativa de atravessar a rua, por exemplo, sua atitude não será condizente com seu discurso. E aí cabe o questionamento, será que é só com ele(a) que isso acontece? Claro que não.
Essa reação de falta de atenção é comum a maioria dos usuários da via. Mas então qual é a diferença? Pois bem, a questão a ser melhor avaliada diz respeito a este personagem do trânsito que hoje está cada vez mais presente nas ruas.
Muitos são os motivos que levam os idosos a serem mais ativos e participativos nos dias de hoje, entre eles podemos citar o aumento da expectativa de vida, devido aos avanços na área da saúde, com programas de prevenção de epidemias e de doenças infecciosas, campanhas de vacinação e progressiva universalização da atenção básica em saúde.
Consequentemente àqueles que se aposentam e têm boa saúde não ficam parados jogando cartas com os amigos ou fazendo tricô para os netos. Nada disso, os idosos ativos conseguem ter disposição para outras atividades, e por essa razão estão mais presentes nas ruas.
Mas qual o problema dos idosos estarem mais ativos e saindo mais às ruas? A resposta é simples, porém sugere alguns questionamentos: a cidade está preparada para receber esse idoso? Consegue atender suas necessidades e fazer com que ele possa se deslocar em segurança? A resposta infelizmente é NÃO.
A Organização Mundial de Saúde (WHO, 2001) chama atenção para a urgência de ações integradas que possibilitem melhorar a qualidade de vida das pessoas que envelhecem. E nessa perspectiva, devemos ressaltar a importância dos projetos serem estruturados a partir de um modelo em que o próprio idoso esteja envolvido e seja parte atuante.
Segundo Minayo [1], quando pensamos em realizar qualquer atividade, projeto ou ação que tenha como foco o idoso, não se pode deixar de consulta-lo, envolvê-lo, como eles mesmo dizem: “nada sobre nós sem nós”.
Sabemos que envelhecer, para muitos, é sinônimo de sabedoria, experiência, mas para uma grande parte da população mais jovem significa não ser mais competitivo, logo, não estar mais entre o rol de pessoas consideradas, ouvidas ou até mesmo respeitadas. Cria-se um cenário de invisibilidade social, em que o idoso passa a ser simplesmente mais um. Entretanto, sabemos que chegar a essa etapa da vida de forma saudável e ativa, requer uma série de olhares diferenciados por parte de quem tem o dever de gerenciar os serviços prestados à comunidade, principalmente no que se refere aos aspectos da mobilidade urbana.
É importante ressaltar que muitas são as situações de desrespeito à pessoa idosa, desde o abuso por parte de jovens e adultos que não respeitam o espaço reservado dentro dos ônibus, aos condutores que buzinam quando um idoso não consegue concluir a travessia porque o tempo do semáforo é curto, o desrespeito à vaga de idosos em estacionamentos públicos e privados, entre outras situações não menos importantes e que demonstram a falta de respeito por parte dos demais usuários do espaço coletivo em relação aos idosos.
Todas essas situações demonstram o quanto ainda necessitamos evoluir, de norte a sul do país observamos os mesmos exemplos de desrespeito. E o que mais chama a atenção é que os dados estatísticos já começam a indicar que os idosos estão fazendo parte das vítimas da violência no trânsito. Em Porto Alegre, por exemplo, constatou-se que o número de vítimas fatais por atropelamento nos últimos 4 anos aumentou, embora tenha reduzido o número de vitimas fatais no âmbito geral no mesmo período. Esses dados, identificados pela Comissão de Análise de Acidentes do Programa Vida no Trânsito, serviram como alerta para que algo fosse feito. E desde o ano e 2016 várias ações foram desenvolvidas dentro de um Projeto que se chama Pedestre Idoso.
A iniciativa consistiu numa parceria entre o órgão gestor do trânsito (EPTC – Empresa Pública de Transporte e Circulação) e a Secretaria Municipal de Saúde (SMS), responsável pela implantação do Programa Vida no Trânsito nos municípios. A partir de reuniões de trabalho envolvendo outras instituições ligadas à questão de prevenção de acidentes e às pessoas idosas, diferentes estratégias foram criadas para levar a mensagem de que os idosos, naquele momento, eram as pessoas mais frágeis no trânsito de Porto Alegre.
Desde a criação de curso de multiplicadores para públicos específicos (agentes de saúde, fisioterapeutas, profissionais do esporte, nutricionistas, assistentes sociais, motoristas e cobradores, psicólogos, entre outros), ações de rua, eventos[2] focados na pessoa idosa, e material de divulgação da campanha.
Segundo dados da EPTC, de janeiro a dezembro de 2016, houve redução tanto nos números de atropelamentos envolvendo idosos (23-20), como no número de vitimas fatais idosas (30-25), comparando com o mesmo período de 2015.
Esta é uma pequena demonstração de que quando as instituições conseguem trabalhar de forma conjunta, os resultados aparecem. Vidas são salvas, preservadas e as pessoas acabam sentindo o reflexo desse trabalho, ganham simpatia e confiança pelos órgãos públicos, que nada mais fazem do que prestar seus serviços à comunidade.
E quanto aos idosos? Bem, parece que eles estão fazendo a sua parte, estão saindo às ruas e dizendo aos demais: “Nós estamos aqui e exigimos respeito e oportunidades para que possamos contribuir ainda mais para a sociedade em que vivemos” . Agora resta a nós, jovens adultos, termos ouvidos e olhos atentos para esse chamamento.
[1] Brasil. Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.Brasil: manual de enfrentamento à violência contra a pessoa idosa. É possível prevenir. É necessário superar. / Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República; Texto de Maria Cecília de Souza Minayo. — Brasília, DF: Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, 2014.
[2] – Debate no Dia Mundial de Combate à Violência Contra a Pessoa Idosa (SESC-RS). – Mostra de Talentos no Dia do Idoso (SESC-RS)
*Luciana Farias Pereira é Agente de Fiscalização de Trânsito e Transporte, Lotada na Coordenação de Educação para Mobilidade – CEM, Empresa Pública de Transporte e Circulação – EPTC de Porto Alegre/RS