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Prólogo


Por Rodrigo Vargas de Souza Publicado 07/09/2017 às 03h00 Atualizado 02/11/2022 às 20h17
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Foto: Freeimages.comFoto: Freeimages.com

Da janela de um ônibus, me pus a pensar nos caminhos pelos quais aquela viagem me havia levado. Viagem longa, muitas vezes turbulenta. Mas que trazia consigo memórias de imagens belíssimas.

E por alguns minutos, naquela janela, diante de uma manhã cinzenta e abafada de agosto, uma dessas imagens povoou minha mente, tornando pesada minha respiração, me apertando o peito e me enchendo os olhos de lágrimas. Lembranças da minha mais tenra infância. De quando, sozinho ou acompanhado de um ou dois amigos, ao final de um dia repleto de jogos e brincadeiras, sentava-me cansado sobre o meio-fio da calçada e, durante horas, divertia-me fazendo caretas e tentando imitar a “cara” dos carros que passavam pela rua. Muitos me sorriam. Outros tantos me lançavam olhares furiosos, como de feras famintas prontas para dar o bote. E já ao anoitecer, alguns, que por ventura passavam com um dos faróis queimados, pareciam, assim, piscar amigavelmente.

Pois sim, embora hoje pareça loucura ou mesmo negligência, sou de uma época em que as crianças podiam se dar ao luxo de ficar até a noite brincando na rua. Ou melhor, podiam se dar ao luxo de BRINCAR NA RUA! Já que hoje a violência urbana, independentemente do horário, fez com que nossas crianças nem se quer conheçam o prazer de jogar taco, brincar de pic-esconde, pega-pega, e etc… No horário de verão então… esperávamos o ano inteiro para termos aquela hora a mais de liberdade diária.

Certa feita, na falta dos atuais smartphones e jogos digitais, lembro de convidar um amigo para brincar de, simplesmente, acenar para os carros que passavam. Tal tarefa nos rendeu boas horas de distração, apenas pela esperança de alguma reciprocidade. Então lá ficávamos, da calçada, a acenar para os carros. Minha parca idade, de cerca de seis ou sete anos, não me permitia na época quantificar estatisticamente uma amostra de comportamentos. Mas lembro bem que, para uma via local, obtivemos um bom índice de respostas. Obviamente que a grande maioria sequer nos enxergava. Alguns outros só olhavam sem entender o porquê daquele gesto. E outros poucos buzinavam ou acenavam de volta.

A brincadeira só teve fim quando uma resposta bastante inesperada nos fez voltar, bastante envergonhados, cada um para sua casa e procurar outra coisa para fazer. Foi quando, ao acenarmos, o carro subitamente parou, abriu a porta e o condutor questionou: “para onde vai?”. Havíamos acenado para um táxi!

Mal sabia eu que, por volta de mais de vinte anos depois, aquilo que por muito tempo fora simples diversão de criança, tornar-se-ia um analisador de tamanha importância em minha vida acadêmica e profissional…

Brincadeiras de criança à parte, uma das primeiras reflexões que fiz ao começar a trabalhar no trânsito e estudar Psicologia foi: como pode fazer tanta diferença um aceno com a mão, daqueles sinais de positivo ou também conhecidos como “joinha”; de simplesmente sinalizar com o indicador de direção, ou “pisca”, para pedir passagem ou realizarmos uma manobra. Não sei aí, mas aqui onde moro você mofa até que uma alma caridosa decida lhe dar passagem se você somente ligar o “pisca”. No entanto, é como mágica, quando você abre a janela, um pedacinho que seja, e lasca um “joinha” as pessoas simplesmente param! Parecem lembrar “Opa! Ali dentro tem uma pessoa…”

Talvez devêssemos resgatar nossas crianças interiores e lembrá-las que, por mais furiosa que pareça a “cara” daquele carro que passa por nós, lá dentro existe um ser humano, com sonhos, desejos, medos e anseios. Então, não se envergonhe! Manda logo um “joinha” e sigamos com a vida! Para que quando olhemos pela janela na viagem das nossas vidas possamos também ver apenas belíssimas imagens…

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