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Você aceita carona?(Um risco eminente!)…


Por ACésarVeiga Publicado 10/04/2017 às 03h00 Atualizado 02/11/2022 às 20h20
 Tempo de leitura estimado: 00:00
Carona no trânsitoFoto: Divulgação ACésar Veiga.

Numa escola distante de casa, aqui em Porto Alegre, fui convidado a lecionar no turno da noite…
 
A princípio achei que tal façanha havia ficado lá no passado esquecida, mas sinto no presente que “ela” ainda clareia intensamente minha memória.
 
Quais os dias da semana que ocorreriam as aulas? Bem, apesar de relutar e implorar, o diretor foi taxativo quanto ao pedido:

– Precisamos de ti, principalmente na sexta feira à noite!
 
Tive a mesma sensação de alguém que passou por um terremoto, que perde a confiança na terra firme. Naquele momento emudeci e infiltrei na resignação, pois…deve-se tudo fazer pelo bem da Educação.
 
E assim floriu o empecilho:

– Como voltar para casa, não desfrutando de locomoção própria e conhecedor de que no último horário da aula – na sexta-feira – não encontraria mais ônibus disponível? (sobreviveu o pessimismo que de imediato se “espraiou” como uma onda sísmica em mim).
 
Era a hora do intervalo e saí da sala da direção rumo a dos professores. Entrei e sentei cabisbaixo. (aquela notícia teve efeito devastador e ficou comigo pairando como um pesadelo)
 
Mas, e o “mas” foi decisivo naquele momento.
 
Abraçado àquele infortúnio, consegui como de imediato testemunhar o dito popular que diz:  

-“Sempre há interferência divina para aqueles que são do bem”.
 
E “eu” sou do bem! (esta frase provoca explosões de alegria em mim)
 
O professor de Português que acabara de ficar ciente do meu problema, com voz clara e em bom tom, fez-se ouvir naquela sala lotada de mestres sapienciais:

– Diante de um problema comum, nós os professores devemos nos unir – disse ele.
 
E transbordando coleguismo mandou mais uma porção de “verbos”:

– Colega amado não se preocupe. Ofereço-te carona em meu humilde veículo e brindas minhas voltas noturnas, carregadas de uma solidão intensa, com tua ímpar presença. (vejam como se pode passar rápido do fosso ao cume)
 
Aceitei a carona, e na primeira sexta-feira de aula, às 22h40 min, lá estava o professor Abrilino. Ficou parado na porta da sala em que “eu” estava emanando cultura, até o término da aula. (carregava sua mala e uma cuia)
 
Galgamos pela sala dos professores para deixar os apetrechos educacionais, e seguimos para o estacionamento, onde o carro do bondoso Abrilino deveria estar quietinho esperando. (e realmente estava lá)
 
Então o curto tornou-se maior que o comprido…(a começar pelo carro do colega Abrilino)
 
Um dos faróis dianteiros do automóvel (?!) estava caolho – quebrado. Ao sentar averiguei que o cinto de segurança do carona não funcionava. Não havia retrovisores…(honestamente, o carro apresentava estado de conservação precário)
 
Foram constatações preocupantes naquele momento, que contribuíram para minar o prestigio que estava adquirindo sobre Abrilino.
 
Concordo que havia um clima de discordância entre “eu” e o generoso “mestre”, mas havia também o desejo íntimo de por o pé na estrada e ir embora. (por vezes é somente uma questão de boa política, e não de princípios. E assim fiz “vista míope”)
 
Mas Abrilino deveria estar em uma noite inspirada e desta forma ofereceu-me um “plus” comportamental. Como se não bastasse, introduziu um belo charuto entre os lábios carnudos e mandou fogo. (desaparecemos numa grande nuvem de fumaça fedorenta)
 
Abrilino acionou a ignição, e verdadeiramente senti que estávamos zarpando rumo a uma enorme aventura.
 
OBS 01: aqui fica a lição; e é sempre assim: “Quem está dirigindo sempre tem a última palavra”
 
Quando ele deu a partida no carro, parecia que aquele “monte de ferro e plástico” no qual estávamos sentados desintegraria.
(mas por imensa sorte não ocorreu)
 
E assim deixamos o estacionamento da escola…Como sem supervisão e gestão adequada, Abrilino botou o pé no fundo do acelerador e não mais tirou, tal qual uma criança de sete anos que tivesse pego as chaves do carro . (o velocímetro ficou totalmente congelado nos 100 km/h, e assim fez morada por tempo duradouro)
 
Abrilino nos levou a uma atmosfera de “vertigem e de terror”…

– Jamais tomou conhecimento do sinal vermelho dos semáforos;
 
– A indicação de “seta” nunca participou do cardápio das suas ultrapassagens, assim como permanecer na contramão foi constante.
(tudo passando a existir no “aqui e no agora” daquela beira de precipício ambulante)

Naquele momento lembrei a frase que fez aquecer meu gélido coração por instantes: Morrer faz parte da normalidade da vida.
(nunca desejei tanto “ter voltado a pé”…)
 
Mas não era possível, pois ainda estávamos singrando aquele mar de profunda escuridão.
 
Não recordei mais nada…
 
Só percebi a voz macabra e enfumaçada do mestre Abrilino balbuciando:

– Pronto! Chegamos nobre colega.
 
Antes de descer daquela “carroça movida à gasolina”, ofertei uma última olhada para o “curioso colega”, contendo talvez algum ato de “grosseria indelicada” – se é que existe este termo. (mesmo assim agradeci a carona)
 
Abri a porta e pisei no chão daquele santificado asfalto. (graças a Deus terra firme, pensei)
 
Ergui o corpo – após imitar o gesto Papal -, e fiquei na calçada a saborear aquela despedida que louca estava para ser realizada. (ali mesmo esperei a madrugada chegar e só entrei em casa quando já era quase dia)
 
É com alegria que agora desabafo…
 
Sim, nunca mais contemplei aquele honorável transgressor do trânsito, pois a aposentadoria compulsória o encontrou. (exatamente na semana vindoura a “desgraceira” ocorrida)
 
Mas os curiosos hão de perguntar: Como resolvi o problema de voltar para casa as sextas- feiras à noite?
 
Ora, durante todo o tempo que lá fiquei emanando cultura aos discípulos, “eu” – sempre bem agarradinho -, e a professora de Educação Física fomos embora de moto…(sim, nós dois “com capacete” e a “dita mestra” capitaneando nosso destino)
 
Agradeci durante muito tempo aos “anjos de guarda” e aos “pretos velhos”, pois a aposentadoria da professora “Erondina motoqueira” – nunca se efetivou…(pelo menos enquanto estive lá)
 
OBS 02: salientei o nome da professora que pegava carona, de Erondina “motoqueira”, pois havia outra do mesmo nome na escola; a querida “Erondina torta fria”.
 
Abraços educacionais a todos, inclusive as “Erondinas”. 

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