O bem versus o mal das tecnologias
É cada vez mais comum encontrarmos pelas ruas e estradas veículos conduzidos por usuários de mapas gerados por GPS – Global Positioning System. Muitos carros têm um computador de bordo para as funções de geração de mapas e orientação de trajeto. E quem não os tem, um dia vai ter, se não no próprio veículo, nos smartphone do condutor. A utilidade é evidente e, com o galopante ritmo de evolução tecnológica, estes equipamentos estão se tornando cada vez mais amigáveis e baratos. Logo após a Guerra do Golfo, em meados da década de 1990, o uso de satélites de geo-posicionamento para o público civil começou a se popularizar num ritmo cada vez mais acelerado.
Trata-se de uma destas soluções tecnológicas disruptivas. Sabe o que é tecnologia disruptiva? É algo tão poderosamente inovador que muda pra sempre o que havia até seu surgimento: assim, o papel sepultou o pergaminho, a dupla software-impressora puseram as máquinas de escrever no ostracismo, o Uber está redefinindo o papel dos táxi, e por aí vai. Escrevi sobre o assunto aqui no Portal do Trânsito. A velocidade da obsolescência das tecnologias é de tirar o fôlego. Logo as câmeras digitais, despertadores, relógios de pulso, controle remote de TV, leitores de DVD e Blue-Ray, dentre outros, deixarão de existir. Nos automóveis a tendência é que o GPS, o próprio computador de bordo e o sistema de som sejam logo substituídos pelos smartphones conectados à redes de internet móvel mais poderosas como o 5G. Sem falar no acendedor de cigarros, no câmbio manual e nas lâmpadas de halogênio, todos sumindo aos poucos, porque perdem utilidade ou são substituídos por tecnologias melhores.
Assim, quase ninguém mais leva mapas impressos em seus carros. Pra quê, se hoje em dia temos mapas interativos, que nos dizem exatamente onde estamos, traçam as melhores rotas nos conduzindo pelos caminhos menos congestionados e até nos mostram os restaurantes, postos de combustível, radares e blitze logo mais à frente? Pois aí está o foco de uma discussão que não vai terminar tão cedo: alertar outros condutores onde estão os radares e as operações da Lei Seca ou de outras ações policiais. As possibilidades trazidas pela combinação de tecnologias que resultaram no que hoje, serviços como o Waze oferecem, permitem que o “cidadão de bem” otimize seu tempo, evitando congestionamentos, mas também possibilita que o infrator ou criminoso se safe do bafômetro ou de uma abordagem policial pesada. Dois lados de uma mesma moeda que queremos em nossos bolsos.
A intenção do Waze, aplicativo de origem israelense, adquirido pelo Google em 2013, que virou febre no mundo todo, não era exatamente atrapalhar o agente de trânsito. Ou quase isso. O Waze é uma complexa solução colaborativa que combina mapas + GPS + redes sociais. Em seu site pode-se ler: “Nada pode superar as pessoas trabalhando juntas” e também “Pegue a melhor rota, todos os dias, com ajuda em tempo real de outros motoristas” e, na sua lista de “vantagens”, pode-se ler “Seja alertado antes de se aproximar dos acidentes, perigos, polícia ou engarrafamentos, tudo compartilhado por outros motoristas em tempo real. É como ser notificado nas ruas por milhões de amigos.”
A verdade é que o uso “indesejado” (na perspectiva da segurança) destas tecnologias de comunicação tem se tornado um desserviço para as polícias, especialmente para as blitze de trânsito. E engana-se quem pensar que este é um problema do Brasil. Dois casos recentes nos EUA evidenciam claramente que ninguém está conseguindo lidar bem com estes conflitos. A Associação Nacional dos Xerifes americanos solicitou ao Google que bloqueasse os usuários do Waze que avisam a localização dos policiais. Ouviram um sonoro não. O próprio FBI passou por situação similar ao tentar exige da Apple, a dona dos iPhones, iPads e Macs, que desbloqueasse um de seus aparelhos.
Os xerifes estão brigando na justiça e o FBI desistiu, informando que conseguiram quebrar a criptografia do aparelho. Google e Apple se defendem com argumentos em linhas parecidas: proteger os dados dos seus clientes. Veja como é conflitante: como cidadãos, torcemos para os xerifes e o FBI, mas como clientes da Apple e Google, queremos nossa sagrada privacidade.
Tenho duas perguntas, para você pensar: 1) Afinal, quais informações devem ficar disponíveis para a justiça, para a mídia, para quem quiser saber, e o que estas empresas não devem revelar para ninguém? e 2) O que nos leva a comprometermos a eficiência do trabalho dos agentes de trânsito e da polícia, avisando a todos onde estão as blitze? Não se esqueça que somos nós mesmos, como sociedade que pagamos para que agentes de trânsito e polícias façam seu serviço. Ou seja, trata-se de auto-sabotagem.
Creio que o caminho da solução certamente não virá pela simples proibição. Ele deve passar pela própria tecnologia. Apenas proibir não é nem inteligente, nem eficaz. E ao contrário, só gera uma desconfortável sensação de exagero, do tipo arrancar o dente para tratar da cárie. Ademais, como no caso das recentes proibições do WhatsApp, milhões de pessoas são punidas junto com o dono do aplicativo. Ou seja, a parte jurídica desta história também sofre de distorções por falta de critérios adequados.
Falei sobre isso na Rádio MEC AM do Rio de Janeiro, com o jornalista Marco Aurélio Carvalho, no Programa Todas as Vozes do dia 28 de abril e 2016. (clique abaixo)