Inovações baratas, verdes, circulares e ousadas
Como você reagiria, conduzindo o seu veículo, ao se deparar com partes de pista pintadas de verde, com a presença de pedestres? E na condição de pedestre, como você reagiria ao descobrir que sua calçada foi ampliada, é verde e foi estendida até bem pertinho de onde os carros passam? O novo, o inusitado, pode gerar dúvida, insegurança, medo. E tudo isso misturado pode despertar sua percepção para os riscos do trânsito. Riscos que já estavam ali mas que você, antes, não dava atenção. É claro que esta nova situação oferece novos fatores que, em si, podem configurar novos riscos.
Fica mais perigoso do que era ou, no balanço final, a diferença que resta favorece o surgimento de uma maior interação entre os usuários do trânsito, elevando o nível de segurança? O pessoal de Nova York e de Buenos Aires está dizendo que a segurança sai ganhando nesta empreitada. E Curitiba está experimentando.
Esforços para reduzir o espaço e o tempo de travessia de pedestres, estão na agenda diária de todos os profissionais de trânsito. Ou deveriam estar. Aumentar segurança é ordem do dia. Mas como diminuir o número de acidentes de trânsito? Como intervir de forma inteligente e criativa, com poucos recursos para que o resultado seja a mudança da posição que ocupamos na trágica lista dos países que mais matam no trânsito?
A resposta pode ser simples e direta: é só fazer o que precisa ser feito. E o que precisamos fazer é ajustar o comportamento das pessoas e as condições do meio onde o trânsito acontece.
Mas o que é simples não é necessariamente fácil. A complexidade por trás desta resposta simples guarda desafios que nos tiram o sono. Começando pelo que precisa ser feito para que o comportamento dos usuários do trânsito migre do distraído, do abusado, do irresponsável, para o seguro. Fiscalização? Punição? Educação? O CTB guarda a resposta desde sua origem. Basta o que está escrito no Artigo 76.
Também não é nada fácil este ajuste no meio onde o trânsito acontece. O que as calçadas têm a ver com isso? Mas do que se pode supor em um primeiro momento. Calçada é lugar de pedestre. Mas em algum momento o pedestre vai precisar transpor a via. E os veículos, por sua vez, vão entrar e sair de estacionamentos, ocupando um espaço onde eles são – ou deveriam ser – o elemento estranho. O trânsito é uma fábrica de situações tensas, de risco.
A calçada, por definição, pressupõe uma parte separada da via, específica para essa finalidade e ainda, segmentada por desnível, cuja finalidade é óbvia: proteger os pedestres de um eventual veículo desgovernado. O meio-fio pode evitar a invasão do espaço do pedestre. Mas a definição de calçada, em nossa legislação, fala em “normalmente segregada e em desnível”. Ou seja, o conceito admite que ela possa estar no mesmo nível da pista de rolamento dos veículos e não necessariamente separada.
Mas estamos tão costumados com a imagem mais típica das calçadas, que causa estranheza pensar que os pedestres possam ter a eles destinado um espaço no mesmo nível dos veículos. Bem, pedestres e veículos circulando no mesmo nível não é exatamente novidade: acontece no acesso às garagens, nas faixas de pedestres e demais pontos de travessia.
Em Curitiba, como parte do esforço para humanizar o trânsito, surgiram as chamadas calçadas verdes que estão causando muitos debates sobre os limites legais e as medidas mais ousadas que podem ou não serem tomadas pelos órgão de trânsito.
Sou mais pelas medidas ousadas. E acho que dá para fazer isso – não sem o calor do debate, claro – sem necessariamente estar infringindo as regras estabelecidas. Não sou especialista em direito, mas me dou o direito de, com meus mais de 18 anos de praia nesta área, opinar: nossas leis são (mal) escritas por pessoas cujo preparo técnico para tal está aquém do necessário. Haja vista a colcha de retalhos que é hoje o nosso CTB com suas quase 600 Resoluções e umas 1.000 propostas de alteração que estão em discussão.
Não que um deputado precise ser especialista no assunto para propor uma boa regra. Mas no mínimo, deveria se assessorar adequadamente. Não faltam bons técnicos para isso no Brasil. Entretanto, o que temos é mais uma enxurrada de pode e não-pode que muitas vezes afrontam o bom senso sem acompanhar a evolução, nem da tecnologia, nem da cultura.
É a legislação que deve se aproximar do bom senso, e não o contrário. Não que eu considere a ideia das calçadas verdes a salvação das calamidades do trânsito em áreas urbanas. Mas é uma ideia simples, de baixíssimo custo de implementação e que pode funcionar muito bem dentro de uma projeto que combine velocidades mais moderadas, fiscalização ativa e processos eficazes de comunicação e educação dos usuários da nossa agrada mobilidade de cada dia.
As soluções de engenharia de baixo custo podem “fazer mágica”, em determinados casos. Como aconteceu no caso de sucesso da implementação da minirrotatória do bairro Hugo Lange, que você pode relembrar nesta reportagem especial do Portal. À propósito, no último dia 19/04/16, comemoramos 5 anos de ZERO acidentes no local, graças a esta pequena intervenção que, aliás, resultou da “presença cidadã” – de que tanto tenho defendido aqui – dos moradores do bairro.
Conversei sobre este e vários assuntos correlatos, no dia 22/04/16, na BandNews FM de Curitiba, com as jornalistas Lorena Pelanda e Iara Magioni. Veja e ouça aqui a matéria no site da rádio e aqui um trecho um pouco mais completo da entrevista. Parte da conversa que durou 20 minutos se perdeu, por problemas técnicos.
Para saber mais:
Ouça aqui a opinião do Dr. Marcelo Araújo, um crítico da ideia das calçadas verdes:
Aqui o ponto de vista da prefeitura de Curitiba.
Nesse link você pode entender um pouco mais de onde veio essa ideia.