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Neste fim de ano escolha viver


Por Eduardo Cadore Publicado 26/12/2017 às 02h00 Atualizado 02/11/2022 às 20h16
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Felicidade de viverFoto: Pixabay.com

Grandes feriados no Brasil costumam serem prenúncios de tragédias. Centenas de vidas perdidas, outros milhares com sequelas e modificadas para sempre, sem falar na dor dos que ficam, é o quadro que infelizmente se espera de feridos prolongados. Nos dois feriados de fim de ano de 2016, apenas nas rodovias federais, foram 225 mortos (fonte: agência Brasil).[/caption]

Dados mais recentes do DETRAN-RS apontam que de janeiro até novembro de 2017, apenas no Rio Grande do sul foram 1.571 vidas perdidas. A maioria (37,7%) conduzindo automóveis, seguido de motociclistas (26,9%) e pedestres (19,0%). Dessas mortes, a maioria ocorreu aos sábados (19,86%) e domingos (19,41%), sobretudo no período noturno (34,9%) e diurno da tarde (25,0%).

O mais estarrecedor é que nada menos que 846 vidas se perderam (60,2% do total) nas rodovias estaduais e federais no RS. Não vou aqui entrar no debate quanto a necessidade de duplicação das rodovias, sua melhor conservação e os motivos de termos rodovias muito piores que em outros estados.

O que quero destacar aqui neste final de ano é que é possível reduzir essa triste realidade, sem precisar esperar novas leis ou melhores vias, apenas, ou ainda esperar que o Estado brasileiro tome atitudes técnicas e não políticas para lidar com a gestão de trânsito nacional.

Diariamente vimos o clamor por multas mais pesadas, penas mais severas, como se isso fosse o suficiente ou o caminho para a mudança do comportamento. Ocorre que, como seres humanos, somos muito complexos do que apenas apresentar uma resposta adequada e segura no trânsito por medo de multa. Ainda (e aposto que talvez até você que está lendo este texto) acredita-se que o comportamento só muda “quando pesa no bolso”. Mas e para quem as multas não parecem surtir efeito, pois possuem poder aquisitivo superior? Aí vem o estado e começa a suspender e cassar habilitações, apenas provisoriamente, pois não há previsão de perda definitiva da habilitação e proibição vitalícia de se reabilitar, ou seja, independente do que se fez no trânsito, há sempre a possibilidade de voltar a possuir habilitação.

O caminho, e não é nenhuma novidade, é a nossa capacidade de autorreflexão e autoconsciência dos nossos atos. Erros no trânsito todos nós cometemos, o que não podemos deixar acontecer é a diminuição dos possíveis efeitos erros e sua banalização.

Sempre conto aos meus alunos quando esqueci a documentação do veículo numa viagem e, ao descobrir que havia esquecido noutra cidade, não me senti autorizado a voltar dirigindo sabendo que não estava portando a documentação (apesar disso não alterar minha forma de condução, tratava-se de uma irregularidade que não me autorizava realizar). Como não diminui a importância dessa falha, pude refletir e me policiar para, numa próxima oportunidade, não esquecer. E jamais esqueci desde então.

A mesma lógica se aplica a outras condutas: dirigir sem colocar o cinto, não dar a seta na mudança de direção, não colocar a criança na cadeirinha certa, exceder o limite de velocidade, andar com capacete mal afixado, etc. São apenas algumas das condutas que todos, uma hora ou outra, podemos cometer. Mas e porque algumas pessoas seguem cometendo-as, apesar disso?

Essa é a grande questão que a Psicologia e a Sociologia do trânsito buscam responder. A primeira, por exemplo, baseado no conhecimento da Psicanálise, aponta para o nosso narcisismo, ou seja, nos sentimos realmente especiais a ponto de que a lei só se aplica e é válida aos outros, nunca para mim (repare nas publicações na internet sobre acidentes ou infrações como as pessoas ‘de fora’ do fato julgam e clamam por punições maiores, as vezes até desproporcionais ao erro do outro). Já a Sociologia nos indica que uma sociedade é tão insegura no trânsito proporcionalmente o quanto é desonesta nas suas relações ou busca enaltecer a individualidade em detrimento do senso de pertença a uma coletividade.

A cada nova experiência, eu fico cada vez mais inclinado à compreensão de que, apesar do narcisismo exacerbado e de uma sociedade individualista, ainda são as escolhas feitas nas pequenas coisas do dia a dia que tornam o trânsito mais seguro.

Costumamos imaginar que o risco está apenas para quem excede muito a velocidade, mas é raro ver um veículo andando abaixo do limite máximo nas rodovias. Mas tudo bem, pois um pouquinho a mais da velocidade não faz mal, certo? Mas da mesma forma demonstra uma falta de capacidade de gestão do nosso comportamento, agindo com base em referências falsas ou equivocadas que nos impedem de observar que, como diz Roberto DaMatta, esperto é quem cumpre a lei, evita acidentes e punições, e não aquele que se não se envolveu em acidente (ainda) passa levando multa e tendo impedimentos na habilitação.

Afinal de contas, qual a dificuldade se cumprir o que se aprendeu na autoescola?

Referências:

DAMATTA, Roberto. Fé em Deus e pé na tábua: ou como e por que o trânsito enlouquece no Brasil. Rio de Janeiro: Rocco, 2010.

Agência Brasil. PRF registra queda em mortes em acidentes durante festas de fim de ano. In: http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2017-01/prf-registra-queda-em-mortes-em-acidentes-durante-festas-de-fim-de-ano Acesso em 23/12/17.

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