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Como o México reduziu mortes e acidentes causados por embriaguez ao volante


Por Márcia Pontes Publicado 07/08/2017 às 03h00 Atualizado 02/11/2022 às 20h18
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Tráfego noturno na Cidade do México. Foto: Freeimages.comTráfego noturno na Cidade do México. Foto: Freeimages.com

Pense em um país com uma população de 127,5 milhões em que as pessoas têm por costume começar a beber desde muito cedo, e muito! Pense que neste país mais de 60% dos acidentes sejam provocados por condutores embriagados e que algo precisava ser feito para ontem. Unindo forças com a sociedade as autoridades mexicanas encontraram a resposta para a seguinte pergunta: como evitar que os condutores embriagados matem, machuquem as pessoas e deixem de provocar acidentes? Simples: tirando os motoristas embriagados das ruas. E é isso que eles vêm fazendo desde 2003 e no espaço de 14 anos diminuíram pela metade as mortes, feridos e se anteciparam à ocorrência de acidentes em todo o país.

O case de sucesso foi apresentado pelo médico e policial mexicano Othon Sanchéz, que atua no Programa Dirigir Sem Álcool, durante o workshop Aprimorando a Segurança Viária na América Latina (1 e 2 de agosto), em Curitiba. Uma promoção do Unitar e Centro Internacional de Formação de Atores para a América Latina – Cifal  (braços da ONU no Brasil).

Em terras mexicanas a tolerância ao consumo de bebidas alcoólicas é de 0,40 para condutores habilitados em veículos particulares, o que seria a categoria A e B no Brasil, e tolerância zero para quem exerce a direção como atividade remunerada ou dirige veículos de transporte coletivo. Fez o teste do alcoolímetro e deu mais que 0,40 o cidadão não é autuado, não sofre sanções administrativas ou penais, não paga nenhuma multa, mas é levado à presença de um juiz que oficializa a sua detenção e recolhimento a uma cela popularmente conhecida como “Torito” pelo período de 20 a 36 horas. Passado o porre o condutor é liberado. Nem os turistas escapam. O objetivo é retirar o motorista embriagado de circulação e proteger a sua própria vida, a de seus passageiros e a dos demais usuários das vias mexicanas.

Confesso que a apresentação do programa “Conduce sin Alcohol” foi uma das exposições mais esperadas por mim que, afinal, vivo em uma cidade conhecida como a capital nacional da cerveja.  Só que uma coisa temos de admitir: os mexicanos estão muito melhor preparados e equipados do que nós em tudo! Seja no amparo legal, na quantidade de efetivo para as fiscalizações, nos tipos de prisões que abrigam os condutores flagrados dirigindo bêbados e na mentalidade da população: eles colocam a vida em primeiro lugar e não avisam os locais de fiscalização em rede social.

No Brasil o condutor flagrado dirigindo alcoolizado, recusando-se ou não ao teste de etilômetro paga multa salgada de quase R$ 3 mil e tem aberto contra ele um processo administrativo para a suspensão do direito de dirigir. No México é diferente: o Programa Dirigir sem Álcool existe desde 2003, tem proteção jurídica e é aclamado pela população que quer ver os motoristas embriagados afastados das ruas: 98% das pessoas em todo o México já ouviram falar do Programa Conduzir Sem Álcool e 83% o aprovam. Todos os dias cerca de 500 policiais são distribuídos em grupos que atuam em 25 pontos fiscalizando com o etilômetro. Não existe folga ao longo de todo o ano.

A primeira abordagem é feita por mulheres policiais, uma estratégia para que o contato pareça menos intimidador ao motorista. Caso negue-se a fazer o teste do bafômetro mexicano é conduzido a um juiz em seu gabinete que o ouvirá e aplicará a sentença adequada. Se é constatada a alcoolemia o condutor é conduzido a um juiz itinerante que acompanha as operações de fiscalização. Se o passageiro está sóbrio e em condições de dirigir, ele leva o carro; caso contrário, o automóvel é guinchado. Nem os turistas escapam das leis mexicanas anti-embriaguez ao volante.

Independente do estado de embriaguez do condutor ele não paga multa e não responde civil ou penalmente: o juiz itinerante é quem determina quantas horas entre 20 e 36 ele ficará preso em uma cadeia só para motoristas embriagados. Não é cadeia comum e os motoristas não se misturam com detentos ou presidiários. O tratamento só é diferente se o motorista já provocou o acidente ou mortes. Aí vai para a cela comum em vez do “El Torito”.

Enquanto no Brasil basta que o agente manobre a viatura para as redes sociais bombarem avisando os locais de possíveis blitz, no México 95% da população não avisa as outras pessoas onde estão as fiscalizações do alcoolímetro. No México, as autoridades estimam que 60% dos acidentes e mortes sejam provocados por motoristas sob a influência de álcool.

Em sua exposição o dr. Othon Sanchéz fez questão de ressaltar: o Programa Conduzir Sem Álcool seria chamado de inconstitucional pelos brasileiros por impedir o direito de ir e vir do motorista, mesmo estando alcoolizado e colocando à todos os cidadãos em risco. Ao que devo concordar: o que não ia faltar era trabalho para os advogados brasileiros tirados da cama na madrugada para interpelar pelo direito de ir e vir de seu cliente embriagado ao volante. Reforçariam que o cliente não fez mal a ninguém, não provocou acidente, não feriu, não machucou e nem colidiu destruindo o patrimônio público. O clamor por ingerência e arbitrariedade seria massivo enquanto que no México o programa tem medida cautelar (evitar que o acidente seja provocado) e tutelar (cuidar do motorista bêbado até que o porre passe).

No México a ordem das coisas foi repensada e milhares de acidentes e mortes estão sendo evitados pela medida simples de tirar o motorista alcoolizado do volante antes que ele cometa uma desgraça em via pública. Não se trata de constitucionalidade ou inconstitucionalidade, mas de uma plataforma cultural voltada para a segurança no trânsito.

Essa talvez seja a diferença mais marcante entre mexicanos e brasileiros: a vida é o bem maior a ser tutelado, o direito fundamental sagrado que está acima de qualquer outra lei existente. Lá, no México, a população e as autoridades entendem que só tirando o condutor embriagado do volante, afastando-o das ruas e encaminhando-o para curar o porre numa prisão específica é que se vai evitar mortes, feridos, acidentes e tragédias. É uma forma de coibir até a impunidade ao se cortar o mal pela raiz. Lá, no México, o turista visita, é bem recebido, mas se está bêbado ao volante vai para o Torito como qualquer cidadão mexicano.

Por lá, no México, tem-se carregado menos alças de caixão enquanto buscam o zero acidente, o sistema de saúde não impacta com os atendimentos a acidentados de trânsito e as pessoas que adoecem de causas naturais não perdem o atendimento, a vaga, o leito hospitalar e as cirurgias para acidentados de trânsito. Por aqui, as coisas são diferentes. Muito diferentes. Ainda mais porque qualquer outro motivo ou prioridade tem sido maior do que proteger a vida das pessoas e tirar os motoristas embriagados de cena.

Por aqui não se tem nem efetivo para fiscalizar, as operações de Lei Seca não chegaram a muitas cidades, não temos uma cultura voltada para a segurança no trânsito e os alcoolizados ao volante reincidem na mesma proporção dos copos que ingerem.

E viva El México!

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