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21 de novembro de 2024

Artigo: Mais impunidade no trânsito


Por Artigo Publicado 07/05/2018 às 03h00 Atualizado 08/11/2022 às 22h16
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*David Duarte Lima

Crimes de trânsitoFoto: Pixabay.com

No dia 19 de abril último, entrou em vigor a Lei 13.546, de 2017, que altera alguns artigos do Código de Trânsito Brasileiro. A intenção seria tornar mais rigorosas as penalidades para os crimes de trânsito, especialmente quando o condutor mata ou causa lesões graves sob influência de álcool.

Dirigir sob influência de álcool aumenta muito o risco de envolvimento em desastres por duas razões básicas. Primeiro, porque, depois de beber, o condutor diminui os reflexos, a rapidez para reagir frente a situações inesperadas. Reagir tardiamente pode significar colisão ou atropelamento. Segundo, porque o álcool altera o comportamento. Condutores sob efeito de álcool negligenciam riscos, dirigem agressivamente e em excesso de velocidade, pouco se importando com os outros. Frequentemente ameaçam outros condutores, pedestres, ciclistas e motociclistas.

A combinação da diminuição dos reflexos com o comportamento inadequado tem como resultado o aumento exponencial do perigo. Um motorista que tomou três latinhas de cerveja tem um risco cinco vezes maior de se envolver em colisão fatal; 10 latinhas multiplicam por 30 esse fator; se a farra continua, bastam mais cinco latinhas para que o risco seja multiplicado por 150.

Voltemos às mudanças no Código de Trânsito. Representando diversos segmentos da sociedade, a ONG Não foi Acidente propôs alteração que visava ao aumento das penas previstas nos artigos 302 e 303. Na forma anterior, condutores que ferissem no trânsito sob influência de álcool estavam sujeitos a penas que variavam de seis meses a dois anos de reclusão; para os que matassem, a pena ia de dois a quatro anos. As mudanças aumentaram as penas para quem fere para dois a cinco anos, e para quem mata de cinco a oito anos.

Aparentemente a punição ficou maior. Só que não. Dependendo do entendimento do juiz, a versão anterior possibilitava aplicar o dolo eventual. Essa figura jurídica possibilita responsabilizar o agente quando ele, mesmo não tendo intenção de causar um resultado, assume o risco de produzi-lo. Um indivíduo que dirige depois de beber não quer matar, porém, aumenta enormemente a probabilidade de dar causa a evento dramático.

O Código Penal estabelece penas que variam de seis a 20 anos de reclusão para crimes em que há dolo eventual. Amparados pelo inciso I do art. 44 do Código Penal, especialistas em legislação de trânsito afirmam que, com a nova redação dos art. 302 e 303, matar ou ferir na condução de veículo automotor passa a ser crime exclusivamente culposo, sem possibilidade de ser interpretado como dolo eventual. Crimes culposos geralmente não levam ninguém para a cadeia. Em outras palavras: mesmo crimes bárbaros no trânsito serão convertidos em cestas básicas.

Sabemos bem que a Justiça brasileira não tem tradição de punir motoristas que matam ou causam lesões no trânsito. Anualmente, cerca de 45 mil pessoas morrem e um milhão ficam feridas no trânsito do nosso país. Pouquíssimos condutores tiveram alguma pena de restrição de liberdade, mesmo os que estavam flagrantemente alcoolizados ou em excesso de velocidade.

As dificuldades para melhorar o trânsito são grandes. Há inúmeras imperfeições no Código de Trânsito, a fiscalização é falha e a educação no trânsito passa longe de qualquer avenida do Brasil. As pessoas acreditam que a perda de vidas e o caos viário são fruto do acaso, não há o que fazer. Para piorar, mexem na lei e ela fica pior.

Não custa lembrar o que escreveu Cesare Bonesana, marquês de Beccaria, no livro clássico Dos delitos e das penas em 1764:

“A perspectiva de um castigo moderado, mas inevitável, causará, sempre, impressão mais forte do que o vago temor de terrível suplício, em torno do qual se oferece a esperança da impunidade”.

Em português claro: apenas elevar as punições não é capaz de inibir comportamentos perigosos no trânsito. Com a certeza da impunidade, a violência continuará.

É de toda conveniência lembrar aos que gostam de pegar no volante depois de tomar umas e outras que a Lei Seca continua intacta. 

Para quem for flagrado conduzindo sob efeito de álcool, a multa é de R$ 2.943,70, o veículo será apreendido e o condutor terá o direito de dirigir suspenso por 12 meses. Em caso de reincidência, a multa dobra. 

Desgraçadamente, quem dirigir sob efeito de álcool e matar terá que pagar algumas cestas básicas. No Brasil, a multa é cara, mas a vida é barata.

*David Duarte Lima é professor da Universidade de Brasília e presidente do Instituto de Segurança no Trânsito

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