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Simuladores: inovação ou ilusão no processo de formação de condutores?


Por Mariana Czerwonka Publicado 03/02/2016 às 02h00 Atualizado 08/11/2022 às 22h40
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Simulador nas autoescolasDepois de idas e vindas, desde o dia 1° de janeiro deste ano, é obrigatório o uso do simulador de direção veicular nas autoescolas.

Colaboração de Talita Inaba

Depois de idas e vindas, desde o dia 1° de janeiro deste ano, é obrigatório o uso do simulador de direção veicular nas autoescolas para quem vai tirar a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) na Categoria B ou para aqueles que querem adicionar essa categoria à sua CNH.

O uso do aparelho deveria ter se tornado obrigatório em 2013, após as autoescolas terem tido um prazo para adquirir ou alugar o equipamento. Em fevereiro de 2014, donos de autoescolas protestaram nas proximidades do Congresso Nacional contra o uso de simuladores. Em junho de 2014, o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) decidiu que o uso do aparelho na formação de novos motoristas seria opcional. No entanto, na data de 15 de julho de 2015, a Resolução 543 tornou obrigatória a utilização de simuladores de direção para a categoria B.

De acordo com essa Resolução, o candidato que for tirar a primeira habilitação terá que fazer, no mínimo, 25 horas de aula prática. Do total, 20 horas em veículo de aprendizagem, sendo quatro horas no período noturno. As demais cinco horas serão feitas no simulador de direção, sendo uma hora com conteúdo noturno. Quem já tem carteira de motorista e vai adicionar a Categoria B deve realizar 20 horas de aula, sendo cinco no simulador.

Até então, somente os estados do Rio Grande do Sul, Acre, Paraíba e Alagoas exigiam as aulas nos simuladores.

Para Maria Cristina Andrade que é Consultora em Educação e Trânsito e ex-Coordenadora-Geral de Qualificação do Fator Humano no Trânsito do Denatran, o simulador veio para aperfeiçoar o processo de primeira habilitação. “O processo de formação de condutores tem passado por inúmeros estudos nos últimos anos e sabemos da necessidade de que seja modificado de uma forma global. O simulador, que é um projeto antigo, bem estudado e desenvolvido, faz com que os alunos tenham um melhor aproveitamento das aulas práticas e isso já está comprovado no Rio Grande do Sul”, explica.

David Duarte Lima, Doutor em Segurança de Trânsito e presidente do Instituto de Segurança no Trânsito, não concorda. Para ele, o simulador está sendo implantado no processo de formação dos condutores com finalidade exclusivamente comercial. “Não há qualquer país que adote esse modelo. Tampouco há qualquer estudo com representatividade sobre o tema. Os estudos existentes são frágeis, com amostras pequenas, sem validade para o Brasil. São experiências de “quase-laboratório”. Em 2015, conversei sobre o tema com mais de uma dezena de especialistas na Espanha, na Holanda, na Bélgica, na França. Alguns deles têm livros dedicados à formação de condutores. Há unanimidade: o simulador é absolutamente dispensável e sua contribuição na formação de condutores é desprezível. Conheço o processo de habilitação no Brasil. Há falhas, porém o simulador contribui apenas para complicar. O impacto sobre a segurança de trânsito será nula”, afirma.

Para o especialista, a melhora no processo de formação de condutores pode seguir outro caminho. “O que precisamos no Brasil é de um método de ensino de “prática de direção”. Uma parte considerável dos instrutores ensina mal. Eles não têm sequência nas atividades de ensino, não têm clareza do processo, não levam a sério sua atividade, avaliam mal o aprendizado do aluno. Para reduzir em cerca de 80% a violência no trânsito, entre outras ações, a Espanha reformulou completamente a formação dos instrutores. A atividade foi valorizada, os instrutores mais bem formados, a fiscalização implementada de forma eficaz. Sem simuladores”.

Em enquete realizada pelo Portal do Trânsito no ano passado, muitos instrutores e proprietários de autoescolas se mostraram resistentes a utilizar o simulador. “Um elefante branco, não tem benefício pedagógico nenhum. Simplesmente estão empurrando mais uma forma de faturar alguns milhões, uma mudança arbitrária onde não foi escutada a opinião de ninguém. Não houve licitação, não há concorrência, e tem até empresa homologada que tem parceria com sindicato de classe”, diz Fernando Moraes, Diretor de Ensino da autoescola G2 de São Paulo.

Quem conhece e já usou o simulador tem opinião contrária. “No Rio Grande do Sul o simulador é obrigatório desde 2014. Acompanhei todo o processo de implantação. O equipamento tem pontos positivos e negativos. Auxilia o aluno no primeiro contato com o veículo, ajuda a entender como um veículo funciona e dá ao futuro condutor algumas noções de circulação em vias urbanas e rurais além de ser um complemento das aulas práticas. Na minha opinião, o simulador ajuda o aluno para as futuras aulas práticas e melhor prepara o futuro condutor. De qualquer forma, são necessários alguns ajustes para tornar essa experiência mais produtiva e eficaz”, afirma Adriano Zanella Girotto, instrutor teórico no CFC Vacaria.

De acordo com Maria Cristina, ajustes já estão em estudo pelo Contran e suas Câmaras Temáticas, inclusive o aumento da carga horária no simulador. “Acreditamos que a regulamentação do simulador passe por atualizações e pode ser até que a carga horária no equipamento seja aumentada. O importante, disso tudo, é que percebemos que quem já implantou o simulador, está satisfeito”, diz.

Mandados de segurança

Alguns Centros de Formação de Condutores têm conseguido na Justiça Federal mandados de segurança que afastam a obrigatoriedade de implementação do simulador. Segundo a decisão, o Contran está extrapolando o seu poder regulamentar, pois não está apenas normatizando procedimentos para aprendizagem, condição determinada pelo Código de Trânsito Brasileiro, mas exigindo infraestrutura física e recursos didático-pedagógicos mínimos.

Para David Duarte Lima, o Contran está desorientado. “Não há consistência nem propósitos nas suas medidas. Se fosse para melhorar a formação do condutor, seria preciso um programa robusto e consistente e não medidas pontuais e, ao meu ver, inconsequentes. Um programa de formação de condutores teria de responder uma série de questões como, por exemplo: quem vai formar os instrutores? Com que material? Quem vai avaliar a formação? Quais serão os critérios? Em quanto tempo? Como serão medidos os resultados sobre os alunos? E por aí vai. O que fez o Contran? Apenas uma medida que obriga os CFCs a gastarem mais, mas sem resultados práticos. Enfim, um simulacro!”, conclui.

 

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