13 de dezembro de 2025

A suposta indústria da multa e a sua matéria-prima


Por Márcia Pontes Publicado 25/04/2013 às 03h00 Atualizado 02/11/2022 às 20h46
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Se a indústria da multa realmente existe ela é alimentada pela sua matéria-prima: os motoristas infratores. Ou seria a multa uma doação de livre e espontânea vontade por quem não respeita as leis de trânsito? Essa é a reflexão que proponho à sociedade.

Pesquisando pela rede cheguei até a história de Laurindo Soares de Gouveia, um senhor que vai completar 102 anos, mora no Paraná, é habilitado desde 1963, dirigiu até os 101 anos e nunca foi multado. No Espírito Santo, o carreteiro Dercelino Dias dirige há mais de 40 anos e nunca recebeu uma multa.

A história desses motoristas veteranos e de tantos outros me faz pensar na multa como objeto discursivo, taxada de indústria por quem é acusado pelas autoridades de trânsito de cometer algum tipo de infração. Esse pensamento fabril aplicado ao trânsito nos leva a tentar entender alguns conceitos básicos: o de indústria e de matéria-prima.

Segundo o Novíssimo Dicionário de Economia, de Paulo Sandroni, indústria é definida como “o conjunto de atividades produtivas que se caracterizam pela transformação de matérias-primas, de modo manual ou com auxílio de máquinas e ferramentas, no sentido de fabricar mercadorias.” Mas a definição de matéria-prima, de Bruce Mackenzie, também é interessante: “para uma indústria, materiais disponíveis aguardando entrada no processo de produção.”

Ora, para que exista uma indústria tem de existir matéria-prima, pois sem ela a indústria se enfraquece, pára e deixa de existir. Agora vejamos as características dos “motoristas matéria-prima”.

O motorista vê uma placa de estacionamento rotativo, sabe que tem que usar o cartão de estacionamento, mas não o faz; comete a infração, recebe a multa e sai por aí fazendo beicinho e falando em indústria da multa.

O motorista que acredita na impunidade, no fato de não haver uma autoridade de trânsito em cada trecho da rodovia trafega pelo acostamento, é flagrado, autuado e multado, mas também encampa o discurso da indústria da multa.

Também guardam esses discursos quem fura sinal vermelho, quem estaciona em local proibido, quem ultrapassa em faixa contínua dupla e quem abusa da velocidade. Independente do radar estar escondido no mato ou bem visível às margens da rodovia, o fato é que o equipamento só flagra quem trafega acima da velocidade permitida.

Ah, e mais aquela história de que um motorista foi multado por trafegar a 880km/h ou que dirigia sem capacete? Balela. Balada do infrator, leitores! No primeiro caso, indicação de falta de aferição ou defeito no equipamento. No segundo caso, o que desafia a qualquer lei do bom senso a acreditar que uma autuação dessas já não morra na casca por vício de preenchimento no documento.

Retomando o be-a-bá: a multa só existe em função da infração e cada vez que alguém comete uma infração isso resulta em multa. Ponto. Se existe uma certeza nisso tudo é que nunca vi um motorista que respeite as leis de trânsito reclamando que foi multado, e os senhores Laurindo e Dercelino são exemplos disto.

Há que se ter muito cuidado com o discurso de indústria da multa, pois se ela realmente existe, o que mais tem por aí é motorista servindo de item de fabricação. Ou como diz a psicóloga Iara Thielen, da Universidade Federal do Paraná, a multa de trânsito é doação de livre e espontânea vontade, feita por quem desrespeita as leis de trânsito. Doação feita, condutores, por “motoristas matéria-prima.”

Realmente, é algo muito sério a se considerar!

Márcia Pontes

Meu nome é Márcia Pontes, sou educadora de trânsito em Blumenau (SC), Graduada em Segurança no Trânsito na Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL) e colunista de assuntos de trânsito do Portal de Notícias Blumenews. Sou pesquisadora do medo de dirigir e dos métodos de ensino da aprendizagem veicular pelo método decomposto, desenvolvido na Suíça e difundido em autoescolas italianas.Em 2010 iniciei nas redes sociais um trabalho de Educação Para o Trânsito Online (EPTon) utilizando a força das mídias sociais (Orkut, Facebook, Blog, MSN, Twitter, Youtube) com foco no acolhimento emocional, aprendizagem significativa e dicas de direção defensiva, ética e cidadania no trânsito.Escrevo o Blog Aprendendo a Dirigir voltado para alunos em processo de habilitação nos CFC e para motoristas habilitados com dificuldades e medo de dirigir. O foco deste trabalho voluntário reconhecido internacionalmente leva acolhimento emocional, aprendizagem significativa e fundamentos de ética, cidadania e humanização do trânsito para evitar acidentes, sobretudo por imperícia.No ano de 2012 publiquei o livro digital Aprendendo a Dirigir: aprendizagem pelo método decomposto para evitar traumas e acidentes durante a (re)aprendizagem da direção veicular. Em 2013 publiquei o livro Aprendendo a Dirigir: um guia prático de exercícios para quem tem medo de dirigir.Sou apaixonada por trânsito, respiro, pesquiso cientificamente e vivo o trânsito com compromisso existencial. A principal luta da minha vida: contribuir para rever e atualizar os métodos de ensino da direção veicular no Brasil substituindo o adestramento do aluno e a memorização pela construção de conceitos e de significados sobre o ato de dirigir defensivamente.

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